Entrevista – 2009: Congresso tende a ter baixa produtividade

Congresso tende a repetir baixa produtividade, incompetência e oportunismo que marcaram as atividades do ano passado, diz analista político

 

 

A avaliação desalentadora é feita pelo jornalista e analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do DIAP. Coordenador da publicação anual Os ‘Cabeças’ do Congresso, que faz o mapeamento de quem é quem no Legislativo, Toninho, como é mais conhecido, diz que o discurso de que as medidas provisórias (MPs) editadas pelo presidente Lula foram as grandes culpadas pelo desempenho pífio dos parlamentares não se sustenta.

“O discurso fácil de responsabilizar o excesso de medidas provisórias pelo fraco desempenho do Congresso não convence. Em 2008, por exemplo, foram editadas 40 medidas provisórias, uma média mensal de 3,33 contra 70 em 2007, média de 5,83, e 67 em 2006, média de 5,58 por mês”, observa.

Para ele, o Parlamento não tem como fugir de sua própria responsabilidade pela atuação apagada em 2008. “As principais características foram a ausência de liderança e a falta de visão daqueles que atualmente lideram os partidos no Congresso. Apesar do empenho dos presidentes das Casas, faltou um projeto próprio do Congresso para assumir a condição de protagonista do processo legislativo”, avalia.

Pés pelas mãos
Enquanto distribui elogios ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT/SP), Toninho faz críticas ao presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB/RN). “O presidente do Senado, igualmente, se empenhou para produzir algo de significativo, mas ficou no mero discurso contra as medidas provisórias”.

Na opinião do analista, Garibaldi “meteu os pés pelas mãos”, no final do ano, ao devolver a MP que, entre outras coisas, anistiava entidades filantrópicas irregulares (leia mais) e ao cobrar da Câmara a promulgação da emenda constitucional que aumenta o número de vereadores. Para Toninho, o senador potiguar começa o ano sem ter a certeza de que conseguirá o apoio de seu próprio partido para buscar a reeleição.

O diretor do DIAP também condena a mudança de postura da oposição, que, segundo ele, perdeu o rumo ao intensificar a estratégia de dificultar as votações no plenário. “Antes teve uma postura cooperativa, porém nos dois últimos anos passou a fazer oposição sistemática e a obstruir os trabalhos de modo jamais visto. Perderam todos: Governo, oposição e o povo”, considera.

Para Toninho, os oposicionistas também não souberam se posicionar diante das crises enfrentadas pelo Governo Lula em 2008, como nos casos dos cartões corporativos, do suposto dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do vazamento de informações da Operação Satiagraha.

“A oposição não soube tirar proveito desses episódios. Errou muito na condução desse processo. O primeiro erro foi desvirtuar as funções da Comissão de Infra-Estrutura do Senado”, diz, lembrando do episódio em que o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), tentou constranger a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, com uma pergunta sobre sua atuação como guerrilheira durante a ditadura e acabou sendo repreendido pela petista e pelos próprios colegas de bancada.

Sem reformas
Contaminado pela sucessão na Mesa Diretora e pelas articulações em torno da sucessão presidencial de 2010, este ano não deve ser dos mais produtivos no Congresso, segundo Toninho.

“Na reforma política tende a prevalecer o projeto que permite a mudança de partido sem perda de mandato. Na reforma tributária, o máximo que poderá esperar será um IVA federal, já que não há acordo com os principais Estados: Minas e São Paulo. No marco regulatório existe boa chance de aprovação da lei das agências reguladoras. A regulamentação de MPs pode andar, mas o Governo dispõe de meios para impedir seu avanço”, observa.

Veja a íntegra da entrevista:

Congresso em Foco – 2008 foi um ano sem crises profundas no Congresso, como a do mensalão e a aérea. Mas, por outro lado, um ano arrastado, pouco produtivo, por causa das eleições municipais. Também houve embate entre Judiciário, Executivo e Legislativo. Quais foram as principais características deste ano no Legislativo?Antônio Augusto de Queiroz – As principais características foram a ausência de liderança e a falta de visão daqueles que atualmente lideram os partidos no Congresso. Apesar do empenho dos presidentes das Casas, faltou um projeto próprio do Congresso para assumir a condição de protagonista do processo legislativo, que continuou com o Poder Executivo, com uma forte participação do Judiciário, que tomou decisões importantíssimas com força de lei, como a súmula sobre nepotismo. O discurso fácil de responsabilizar o excesso de medidas provisórias pelo fraco desempenho do Congresso não convence. Em 2008, por exemplo, foram editadas 40 medidas provisórias, uma média mensal de 3,33 contra 70 em 2007, média de 5,83, e 67 em 2006, média de 5,58 por mês. No Governo FHC, considerando apenas o período em que as MPs passaram a bloquear a pauta, a média mensal foi de 6,8, superior às médias da gestão Lula, e nem por isso o Congresso deixou de deliberar. Logo, atribuir-se ao “excesso de MPs” a paralisia da Câmara e do Senado, sem considerar a obstrução permanente da oposição e a falta de articulação governista, não parece uma justificativa adequada. Se os lideres tivessem indicados os membros das comissões mistas, essas MPs poderiam ter sido votadas bem antes dos 45 dias que autorizam o bloqueio da pauta.

Faltou comando aos presidentes das duas Casas?É de justiça registrar que o presidente da Câmara fez o possível e impossível para fazer a reforma política, votar a tributária e regulamentar o uso de medidas provisórias, mas foi boicotado. Jogou todo o peso de presidente da Casa e sua conhecida determinação para fazer a reforma política, mas o PSDB foi contra o cerne da reforma e impediu a aprovação da lista fechada e bloqueada, condição necessária e suficiente para resolver boa parte dos problemas de corrupção no Brasil: instituir o financiamento público de campanha e determinar a vinculação do mandato ao partido. O presidente do Senado, igualmente, se empenhou para produzir algo de significativo, mas ficou no mero discurso contra as medidas provisórias. Chegou a ser inconveniente nessa matéria, ao constranger os presidentes de outros poderes (Executivo e Judiciário) com sua ladainha contra as MPs. E ainda cometeu a imprudência de devolver, sem poder, uma MP sobre filantropia. Agora não sabe o que fazer com a matéria.

Com dois anos de mandato, é possível diferenciar a atual legislatura da anterior? Houve avanço em algum sentido na comparação entre as duas?Do ponto de vista da produção legislativa, o Congresso fez menos leis importantes que em legislaturas anteriores. Três fatos podem explicar esse fenômeno: a crise política no Senado, que levou à substituição de seu presidente; houve a eleição municipal em 2008 e a oposição mudou drasticamente sua postura no Parlamento. Antes teve uma postura cooperativa, porém nos dois últimos anos passou a fazer oposição sistemática e a obstruir os trabalhos de modo jamais visto. Perderam todos: Governo, oposição e o povo. O saldo, do ponto de vista da imagem, entretanto, foi bom. A Câmara deu um salto de qualidade enorme. Seu presidente, o petista Arlindo Chinaghia, teve uma gestão austera e muito equilibrada, além de ter mantido a Casa longe dos escândalos. Agiu com autoridade, legitimidade e participação, consultando o Colégio de Líderes antes da definição da pauta, porém sem abrir mão de sua prerrogativa de presidente.

A Câmara sai mais forte que o Senado?O Senado, por sua vez, foi a trincheira de oposição ao Governo. Além de rejeitar a CPMF em 2007, criou uma série de embaraços ao Governo Lula, porém não saiu com a imagem tão positiva quanto a Câmara. A aprovação de projetos polêmicos sem real compromisso, a utilização da comissão de infra-estrutura como palanque político e a tentativa de devolução da MP da Filantropia, sem amparo legal, cheirou a oportunismo.

No final deste ano, os presidentes da Câmara e do Senado andaram se desentendendo por causa da PEC dos Vereadores e da MP das Filantrópicas. Que conclusão é possível tirar desses episódios? Qual dos dois conclui seu período de comando na Casa mais fortalecido politicamente?A principal conclusão é que a demagogia e o oportunismo nem sempre são boas conselheiras. O presidente do Senado meteu os pés pelas mãos e saiu muito mal desses episódios. No primeiro (devolução da MP) foi imprudente. Não verificou antes se havia base legal. No segundo, ao tentar promulgar parcialmente a PEC dos Vereadores, apesar da supressão do dispositivo que proibia aumento de despesas, cometeu outro erro. Tenta a reeleição enfraquecido e com forte desconfiança do Governo. Já o presidente da Câmara fechou o mandato com dois grandes feitos: a Lei Seca, uma iniciativa da Casa, e a recusa de assinar a promulgação da proposta de emenda constitucional que aumenta o número de vereadores. A Câmara hoje é mais respeitada do que foi nos anos anteriores.

Este ano, as crises políticas se resumiram basicamente aos cartões corporativos, com o suposto dossiê com gastos do ex-presidente FHC, e às denúncias de vazamento de informações da Operação Satiagraha. Nenhuma delas, porém, atingiu diretamente o presidente Lula. O ano foi negativo para a oposição no Congresso? A oposição não soube tirar proveito desses episódios. Errou muito na condução desse processo. O primeiro erro foi desvirtuar as funções da Comissão de Infra-Estrutura do Senado, presidida pelo senador tucano Marconi Perillo, ao transformá-la em comissão parlamentar de inquérito no episódio do vazamento de informações sobre os gastos do ex-presidente FHC. O segundo foi do líder do DEM ao lembrar a condições de ex-guerrilheira da ministra Dilma Rousseff, que aproveitou a oportunidade para lembrar sua condição de torturada e faturar em cima da pergunta do democrata. No terceiro, apesar da denúncia que envolvia a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e o chefe de gabinete do presidente, a oposição não teve foco nem força política para dar seguimento à investigação, desgastada por erros nos episódios anteriores.

E o que se pode esperar, em termos de produção legislativa, em 2009? O Congresso tem feito esforços grandes sobre determinadas matérias, mas morre na praia. Isso aconteceu em 2007, com a CPMF; em 2008, com a reforma política; e poderá ocorrer em 2009, com a reforma tributária. Se jogarem todas as fichas nessa reforma, o Congresso corre o risco de perder mais um ano. Infelizmente, a agenda para 2009 não é muito alentadora. Na reforma política tende a prevalecer o projeto que permite a mudança de partido sem perda de mandato. Na reforma tributária, o máximo que poderá esperar será um IVA federal, já que não há acordo com os principais Estados: Minas e São Paulo. No marco regulatório existe boa chance de aprovação da lei das agências reguladoras. A regulamentação de MPs pode andar, mas o Governo dispõe de meios para impedir seu avanço. Os recursos para a Saúde, seja a criação da Contribuição Social para a Saúde, seja a regulamentação da Emenda Constitucional 29 ganha força, dependendo do desempenho das receitas do Governo. Os projetos de defesa da concorrência, do cadastro positivo e do repatriamento de recursos mantidos no exterior podem andar, mas a PEC dos Precatórios continuará tendo dificuldades. Haverá também muita pressão para votação de matérias previdenciárias, como o fator e reajuste dos benefícios com base no salário mínimo, de matérias trabalhistas, como a flexibilização das relações de trabalho, especialmente a terceirização e a alternativa à chamada Emenda 3, além da redução de jornada de trabalho. As perspectivas, em face da proximidade do processo sucessório e também das disputas que inevitavelmente vão ocorrer na sucessão no Congresso, não são muito boas. De qualquer forma, o Governo, com exceção das matérias orçamentárias e poucos temas administrativos, dependerá muito pouco do Congresso.

O PT tem sustentação para derrotar uma candidatura do PMDB no Senado? Há alguma possibilidade de Temer não se eleger na Câmara?O PT só terá condições de eleger o presidente do Senado se contar com a oposição e não parecer haver essa disposição. Portanto, ou se entende com o PMDB, ou não fará o presidente da Casa. Em caso de o PT ceder ou perder no Senado, a candidatura Michel Temer pode sofrer forte abalo, mas dificilmente ele deixará de ser eleito. Desde que o Supremo decidiu que o mandato pertence ao partido, basta que os demais partidos da base proíbam as candidaturas de seus parlamentares, para resolver o problema e Michel ser eleito em disputa com outro colega seu do PMDB. Haverá muita negociação política em torno da sucessão nas duas Casas, mas dificilmente haverá surpresas. Os partidos estão mais unidos e disciplinados. Por exemplo: se Sarney sair candidato no Senado, o PT poderá abrir mão, mas a possibilidade de o PMDB ceder também existe. Logo, o assunto poderá ser resolvido pela via da negociação. A pior coisa que pode acontecer ao Governo seria uma disputa acirrada com reflexo sobre a unidade da base no Congresso.

Que reflexo a eleição na Câmara e no Senado, logo no início do ano que vem, pode ter para as eleições presidenciais de 2010? Uma disputa acirrada na base será o de pior que poderá acontecer na perspectiva de aliança para 2010. O fim da verticalização irá estimular os partidos a lançarem candidatos. E, dependendo do resultado da crise, poderá haver espaço para uma terceira via. A população não está plenamente satisfeita com o Governo do PT. Está com Lula. Nem tem saudades do PSDB. Logo, o espaço está aberto. Muito provavelmente, independentemente da eleição das Mesas do Congresso, o PMDB terá candidato próprio ou se dividirá entre pelo menos duas candidaturas: a do PT e a dos tucanos. Além disso, será a primeira eleição sem Lula e também não terá candidato à reeleição, portanto, as oportunidades são grandes para os partidos.

Apesar da crise econômica internacional, o presidente Lula chega ao fim do ano colecionando recordes de popularidade. Os partidos da base governista tiveram uma vitória expressiva nas eleições municipais deste ano. Mas é possível falar em transferência de votos, já que o tucano José Serra, por outro lado, aparece à frente nas pesquisas de intenção de voto? Quem se fortaleceu no PT em 2008 com vistas a 2010?

O presidente Lula colhe os frutos do bom desempenho da economia, dos resultados dos programas sociais e do apoio político no Congresso, além da ausência de oposição consistente do ponto de vista programático. A coincidência de agenda entre o Governo do PT e o programa de José Serra, do PSDB, por exemplo, é enorme. A base do Governo elegeu 72% dos prefeitos do país, com grande destaque para o PMDB, o PT e os partidos do chamado Bloquinho (PSB, PDT, PCdoB, PRB e PMN). A idéia da transferência de votos, numa eleição municipal, na qual o prefeito candidato à reeleição conviveu sem problemas com Lula durante dois anos, é absolutamente ilusória. O eleitor pensa localmente e, ao verificar que houve sintonia entre o prefeito e o presidente, mesmo o prefeito sendo de oposição, vota localmente. Na eleição presidencial, como é nacional e também se trata de sucessão do presidente Lula, a possibilidade de transferência de votos é real. O episódio dos mensaleiros e dos aloprados, assim como o do caseiro, com ou sem razão, prejudicou muitas lideranças importantes do PT. O partido, com exceção dos ministros Dilma, Fernando Haddad e Tarso Genro e do presidente da Petrobras, Gabrieli, e do ex-prefeito de BH Patrus Ananias, não dispõe de grandes nomes para a disputa. Em função disso, a ministra Dilma tende a ser mesmo a candidata. A alternativa seria o Palocci, se for inocentado no STF e voltar para um ministério de destaque, ou do ministro da Educação, que será muito prestigiado em 2009. A disputa, dependendo do resultado da crise, ficará mesmo entre o PT e o PSDB. Só na hipótese de agravamento da crise, com perda acelerada de legitimidade do Governo, é que surgirá espaço para candidato de terceira via.

Que grande lição o PT tirou dessa eleição municipal e que deve servir de alerta para 2010?
O erro de escolher como parceiro principal na eleição municipal o PMDB. Deixou de disputar como cabeça de chapa em BH e Goiânia, e, em função disso, por exemplo, perdeu o primeiro lugar em número de voto para o PMDB, além de ter perdido a disputa contra o PMDB em Salvador e Porto Alegre. E o PMDB não lhe fará o gesto de ceder a presidência do Senado e dificilmente apoiará integralmente a candidata do PT em 2010. O PT, para quem foi vítima de grandes campanhas, até que se saiu bem da eleição. Cresceu em número de prefeitos e vereadores, mas perdeu boa parte da militância. O partido passou a depender do desempenho do Governo federal para crescer, com o conseqüente distanciamento dos movimentos sociais, que migram para os partidos do bloquinho de esquerda. Se perder o Governo federal, a tendência é que o PT reduza seu tamanho a partir de 2014.

E, para a oposição, quais os grandes desafios em 2009? Manter-se unida, fugir do estigma de neoliberal e ampliar o leque de alianças, já que dispõe de candidaturas muito competitivas, como a de José Serra ou de Aécio Neves. Se a crise se agravar, as chances de fazer o sucessor são muito grandes.

O senhor vê alguma possibilidade de as reformas tributária e política serem aprovadas no próximo ano pelos parlamentares? Ou o destino delas continuará mesmo sendo a gaveta?A reforma política, infelizmente, tende a limitar-se ao projeto que abre uma janela, ou seja, restabelece a possibilidade de mudança de partido sem perda de mandato. Na reforma tributária, dificilmente passará do IVA federal, se persistir a oposição do Sudeste, que detém o PIB nacional.

A tendência é o Judiciário continuar intervindo onde o Legislativo tem falhado e, assim, intensificando o atrito entre os Poderes?O Judiciário continuará fazendo valer o texto constitucional. Por exemplo, se o Governo e o Congresso não regulamentarem a aposentadoria especial do servidor público, o Supremo irá garantir esse direito aos servidores. O mandato de injunção está funcionando e a tendência é que o STF faça a norma, pelo menos enquanto o Congresso não a fizer. E é salutar que seja assim. O Congresso, por exemplo, jamais aprovaria o fim do nepotismo nem instituiria a fidelidade partidária. Oxalá o Supremo continue cumprindo seu papel de guardião da Constituição, dando-lhe eficácia plena naquilo que os outros poderes falharem.

Agência DIAP

Nos anais da história, 2008 será lembrado pela baixa produtividade legislativa, pela incompetência das lideranças partidárias, pelas trapalhadas da oposição, pela desarticulação do Governo e pela ocupação, por parte do Judiciário, dos vazios deixados pelo Parlamento. Para piorar, a julgar pelo cenário em volta, o ano que se inicia tem poucas chances de ser melhor.