Não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram. Leia aqui artigo do cordenador Caio Teixeira

Por Caio Teixeira, Coordenador de Comunicação do Sintrajusc
De Caracas (Venezuela), onde participa pela Fenajufe do III Fórum Social Pan Amazônico 2004, que acontece de 4 a 8 fevereiro

O motorista do táxi que me trouxe do Aeroporto até o centro em Caracas, é colombiano. Ele gosta do Chaves. No caminho passamos por muitos morros, completamente habitados, como nas grandes cidades do Brasil. São favelas, explicou. Mas todas têm televisão, telefone e carro. São pobres, mas tem conforto, disse. Segundo ele, o problema da América é que não nasce alguém disposto a fazer as mudanças que tem que ser feitas: acabar com a corrupção, com o roubo. Há riqueza para todos na Venezuela e no mundo, mas mesmo sob o governo Chaves – que ele apóia – há corrupção. Não está bem assessorado. Ha ministros que não são bons. Se todos fossem como ele, honesto e sinceramente empenhado em mudar, seria melhor. Se há uma fruta estragada no cesto, as outras acabam apodrecendo também.

Caracas é uma metrópole com 7 milhões de habitantes, onde, como em todas as metrópoles, convivem o antigo com o novo. Chama a atenção à arquitetura moderna presente em todos os cantos do centro da cidade em contraste com ruas estreitas e antigas, na velha tradição ibérica herdada dos árabes. O miolo do centro lembra aquelas ruazinhas do centro de São Paulo, de Salvador ou de Belém. O povo transita entre camelôs e vendedores de tudo como em qualquer lugar.

O capitalismo é igual em todo o lugar. Há os ricos e há os pobres e eles são iguais em todo o planeta. A arte é sempre revolucionária. ela revoluciona nossas mentes e corações. Uma mega exposição de arte venezuelana foi instalada desde novembro passado, ocupando todos os museus e salas de exposição dos país. As peças estão distribuídas por décadas o que permite uma visão histórica contada pela sensibilidade das pinceladas dos artistas que, com sua poesia estética, contam mais que qualquer narrativa em prosa.

Na segunda-feira, dia 2, foi aniversário do governo Chaves. A oposição de direita inconformada que detêm todos os meios de comunicação e os utiliza descaradamente de forma violenta contra o governo, fez seu balanço, o pior possível. Chaves falou num ato público, na rua, com transmissão em rede nacional de televisão. Creditou ao povo os avanços e pediu que creditassem a ele os erros. Confirmou seu compromisso com a continuidade da “Revolução Bolivariana” e acusou a oposição de direita de subalternos de interesses estrangeiros contrários ao povo venezuelano. O presidente comentou as pesquisas que estão sendo alardeadas pela imprensa de que surge um contingente da opinião pública classificado como “ni, ni”, ou “nem, nem”: nem Chaves nem oposição. Seriam eleitores que apoiavam a direita e se desencantaram, mostrando que mesmo quem estava enganado começa a se acordar.

A Venezuela é talvez o único país da América Latina que não passou pelo ciclo das ditaduras militares instaladas pela CIA a partir dos anos 60. Também não é um país atrasado, medieval, bárbaro ou marginal em relação ao que chamamos civilização ocidental. Sua cultura tem forte influência burguesa européia ao mesmo tempo em que conserva suas raízes sul-americanas e afro-decendentes.

Esta condição valoriza ainda mais a insurreição popular que sufocou um golpe de estado de direita, mais uma vez organizado pela CIA, a partir da Embaixada estadunidense em Caracas, há dois anos atrás. O governo dos EUA passou pelo papel ridículo de correr para reconhecer oficialmente o novo governo golpista que seria varrido do palácio pela multidão do povo na rua. A resistência popular ao golpe é uma lição que precisa ser melhor compreendida pelos demais povos da nossa América. Não foi um povo desesperado, a quem a morte é uma opção, que se lançou numa aventura suicida. foi um povo consciente da ameaça à sua soberania. É um povo que ousou desobedecer às regras estabelecidas pelo dominador. Poderiam ter aceitado o golpe. Afinal, nos ensinam os prudentes todo o dia, não se pode desafiar o Império todo-poderoso com seus tanques, mísseis e aviões. Deve-se fazer o que ele manda e esperar a hora certa. Deve-se “construir” com muita cautela as condições para um dia, quem sabe, poder enfrentá-lo.

O povo da Venezuela, talvez não tenha aprendido esta lição. Talvez por não saber que era impossível enfrentar o Império, o enfrentaram e venceram, no episódio do golpe frustrado. Talvez, mais do que aprender novas lições, estejamos precisando desaprender as velhas que nos inseriram cuidadosamente nas cabeças. é preciso dizer não às regras estabelecidas pelo dominador pois as seguindo, obviamente só chegaremos onde ele quer que cheguemos: à eterna condição de dominados.