Cobrança da assinatura básica da telefonia convencional é um negócio de R$ 3,5 bilhões

A Brasil Telecom conseguiu, no STJ, a suspensão da decisão da Justiça gaúcha que considerara ilegal a cobrança de assinatura básica mensal no serviço de telefonia fixa de um consumidor gaúcho. O presidente do STJ, Raphael Barros Monteiro, entendeu que o não-pagamento da tarifa básica residencial colocaria em risco a operacionalidade do sistema, o que atingiria o interesse do próprio usuário e da população em geral.
O pedido de suspensão do acórdão do TJ-RS foi apresentado pela empresa sob a alegação de que a medida, aliada a outras decisões no mesmo sentido, causaria grave lesão à ordem e à economia. A Brasil Telecom argumentou que a cobrança é admitida pela Lei Geral de Telecomunicações e pela Resolução nº 85/98 da Anatel e que “a simples disponibilização do serviço aos consumidores tem um custo, que não pode ser suportado pela empresa”.
O juiz José Luiz Leal Vieira, da comarca de Casca (RS) onde inicialmente tramitou a ação, manteve a validade da cobrança da assinatura e o julgado foi modificado a partir de voto do desembargador relator Mário José Gomes Pereira, da 19ª Câmara Cível, para a qual “há abusividade da exigência de contraprestação por serviço não prestado”. O julgado afirmou “nulidade absoluta do agir da Brasil Telecom, em face da qual não se fala em ato jurídico perfeito”. O imediato recurso especial da Brasil Telecom foi admitido.
Além de considerar o risco de dano inverso à população, o presidente do STJ considerou que “o equilíbrio econômico-financeiro do contrato entre usuário e concessionária fica ameaçado sem a contrapartida, o que pode comprometer todo o sistema de telefonia, diante da falta de investimentos no setor”. (SLS nº 396).
Quase 200 pedidos de suspensão foram apresentados simultaneamente ao STJ em razão de milhares de processos que enfocam essa mesma matéria, especialmente no Rio Grande do Sul.
Dados da Brasil Telecom dão conta de que a arrecadação anual com assinatura básica é de aproximadamente R$ 3,5 bilhões. A empresa alega que vem gastando R$ 8 milhões para acompanhar 90 mil processos sobre o tema. A empresa de telefonia utiliza um argumento “ad terrorem”: a procedência de todas as ações em tramitação sobre o tema implicaria uma perda de R$ 360 milhões. A decisão do presidente do STJ suspende os efeitos do acórdão que havia beneficiado o consumidor gaúcho Albino Angelo Pastre até o seu trânsito em julgado.
A 1ª Seção do STJ analisa, desde o dia 23 de maio, o primeiro recurso especial sobre o assunto, julgamento que definirá a posição da corte acerca da cobrança. Um pedido de vista suspendeu a continuidade do julgamento. A ação foi ganha, na Justiça gaúcha, pela advogada Camila Mendes Soares – advogando em causa própria. Primeiro a votar no STJ, o ministro José Delgado, relator do caso, já proferiu seu voto em favor da legalidade da cobrança da assinatura básica para telefones fixos. (Resp nº 911802).

“ABUSIVIDADE DA EXIGÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO POR SERVIÇO NÃO PRESTADO”

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO DO CONSUMIDOR. ASSINATURA BÁSICA MENSAL; TELEFONIA.

Abusividade da exigência de contraprestação por serviço não prestado. Nulidade absoluta em face da qual não se fala em ato jurídico perfeito. Condicionamento quantitativo indevido; nulidade – CPC, 39, I. Ausência de previsão legal à cobrança e prevalência das disposições da Lei 8078/90, de ordem púbica. Demanda procedente. Devolução na forma simples. Apelo provido. Unânime.

Apelação Cível – Décima Nona Câmara Cível
Nº 70014708929 – Comarca de Casca
ALBINO ANGELO PASTRE – APELANTE
BRASIL TELECOM S/A – APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. José Francisco Pellegrini (Presidente e Revisor) e Des. Guinther Spode.
Porto Alegre, 11 de abril de 2006.
DES. MÁRIO JOSÉ GOMES PEREIRA,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Mário José Gomes Pereira (RELATOR)
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposta por ALBINO ANGELO PASTRE, contra sentença de fls. 80, que julgou improcedente a ação declaratória que move contra BRASIL TELECOM S/A.
Apela o autor alegando, em síntese, a ilegalidade da cobrança de valores a título de assinatura básica mensal. Postula o provimento do apelo e a devolução em dobro dos valores pagos.
Em contra-razões a requerida manifesta-se pela manutenção da sentença.
É o relatório.
VOTO
Des. Mário José Gomes Pereira (RELATOR)
Dá-se provimento ao apelo.
Em termos singelos, a cobrança de ‘assinatura básica mensal’ significa cobrar por serviço não prestado.
Não colhe. Cuida-se de desrespeito ao consumidor, com a imposição, pela fornecedora, de taxa sem justificativa, a refletir prática comercial abusiva.
Nem se diga que tal rubrica destina-se a cobrir custos de manutenção do sistema de telefonia; para tanto, as empresas de telecomunicações já auferem lucros vultosos que cobrem toda e qualquer despesa de que se possa cogitar. O argumento é débil.
O cancelamento da cobrança da assinatura básica não comprometerá o funcionamento dos serviços prestados pelas operadores, aliás todas empresas supranacionais de porte. Data vênia. A tarifa, que não é módica, deverá cobrir eventuais custos, é certo; não se pode imaginar seja de outro modo, vinculada a prestação de serviços (ou mesmo a sua ‘boa’ qualidade) à cobrança da assinatura, apenas. Dita argumentação, por pueril, não pode vicejar.
Como tampouco imagina-se colha o argumento de que haveria obrigatória disponibilidade do serviço e que, assim, se o consumidor dele não se utiliza, porquanto assim não o quer, não há remuneração alguma para a concessionária. Assim não é. Cada ligação recebida pelo consumidor equivale a tarifa cobrada do outro, de quem a efetua; a telefônica cobrará os pulsos devidos de quem faz a ligação, independentemente de quem a recebe.
Jamais haverá serviço sem cobrança porque mesmo que algum consumidor nunca efetue ligações, e somente as receba, quem as faz já pagará pelo serviço, pelos pulsos, à prestadora de serviços. Logo, inimaginável possa haver serviço não remunerado; haverá tarifa sempre que houver ligação. Por isso é que a alegação defensiva de possibilidade de ‘colapso’ no sistema ou argumento ad terrorem desta estirpe carece de solidez.
Somente é autorizada a cobrança, pela fornecedora, do que é usufruído modo concreto pelo consumidor. A tarifa já remunera razoavelmente à Companhia, inexistindo justificativa prática ou jurídica para a cobrança de qualquer plus, a que título for, e baixo qualquer efúgio; paralelamente à tarifa, a presente cobrança por serviço não prestado fere, dentro outras, a norma do CDC, 39, I.
Nem se diga que a Lei nº 9.472/97 dá margem a cobrança de tal estirpe porquanto assim não é. Dita lei, em seu art. 93, inciso VII, p.ex, somente prevê a exigência da TARIFA, não havendo falar-se em estabelecimento de rubrica pela disponibilidade do serviço ainda que o mesmo não seja utilizado. A prática, como se disse, é abusiva; não pode prosperar. Em termos, poder-se-ia caracterizá-la como ‘venda casada’, até. E não seria exageração dizer-se que as Companhias telefônicas, com dito proceder, estão a malferir o artigo 39, IV, do CDC, porquanto, de certa forma, estão valendo-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor-lhe produtos e serviços.
Apenas para argumentar, outrossim, relativamente à Resolução nº 85, de 30/12/1998, da ANATEL, é oportuno referir que jamais resolução sobrelevará LEI de ordem pública como o é a Lei 8078/90. Idem, quanto a Portarias do Ministério das Comunicações. Por qualquer ângulo que se veja, resolução ou portaria não é lei.
Então.
É parte da Política Nacional de Relações de Consumo a coibição e repressão de abusos praticados no mercado de consumo (CDC, 4º, VI).
Inclusive é pertinente assinalar que é nula de pleno direito (CDC, 51, § 1º, III) a cláusula contratual que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e as circunstância peculiares do caso concreto. Como na hipótese.
Veja-se, de outra banda, que consumidor algum saberá justificar porque está a pagar pelo que não comprou, não usufruiu, não requereu; no ponto, carece o serviço da paralela e imprescindível informação (sobre quantidade, composição, preço – CDC, 6º, III).
Enfim.
Na linha do presente voto cita-se precisa decisão do 1º Colégio Recursal – JEC/SP (recurso 13.261/58):
“a cobrança de assinatura mensal não está autorizada pelo contrato celebrado entre as partes, cuja execução subordina-se à Lei 8078, de 1990, violando a transparência que a concessionária está obrigada a observar por juízo de mera equidade. Também não tem previsão legal. Em outras palavras, dá-se sem causa (art. 5º, III da Constituição Federal). E mesmo que se firme que é indispensável à continuidade do serviço, não respeita a chamada tarifa mínima que violando a transparência possibilita a cobrança em dobro de parte do serviço”.
À luz do CDC, sempre e ainda, considera-se que a assinatura básica mensal – que atinge patamar nada desprezível: mais de 30 reais/mês, ou mais de 1 S.M. anual – é vantagem excessiva e exagerada cobrada indevidamente do consumidor aderente (art. 39, V), ademais de representar condicionamento quantitativo ilegal (na forma do inciso I do artigo 39, já referido anteriormente), que também é prática comercial abusiva, vedada ao consumidor, que merece o devido repúdio e combate, aqui.
É o que se faz, agasalhando-se na íntegra o pedido autoral, inclusive com a devolução dos valores já pagos, na forma do CDC, 42, parágrafo único.
Note-se, a final, que a indigitada ‘assinatura’ vem a punir sobremaneira àqueles consumidores de baixa renda, de baixo consumo e utilização do serviço telefônico. Quem menos consome mais pagará, proporcionalmente, no cotejo, pelo que não consome.
A irrazoabilidade da prática, além de sua antijuridicidade, é patente, pois.
Finalmente, a devolução dar-se-á na forma simples, por mais razoável, e não em dobro. A repetição em dobro significa locupletamento injustificado em desfavor da parte ré que, bem ou mal, não agiu com o propósito de enriquecimento às expensas do consumidor, e não pode se punida modo draconiano.
Dá-se provimento ao apelo, invertida a sucumbência, fixados os honorários em 12% sobre o montante a se repetir (CPC, 20, § 3º).
É como voto.
Des. José Francisco Pellegrini (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.
Des. Guinther Spode – De acordo.
DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI – Presidente – Apelação Cível nº 70014708929, Comarca de Casca: “DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME .”
Julgador de 1º Grau: JOSE LUIZ LEAL VIEIRA

Fonte: Espaço Vital