Via Campesina ocupa empresa e distribui alimentos no RS

A ação promovida pela Via Campesina, quarta-feira (26), na distribuidora de alimentos Standard Logística, em Esteio, marca uma nova etapa na estratégia política da organização que reúne pequenos agricultores e sem-terra. Mais de mil pessoas ocuparam as dependências da empresa, em um protesto contra o baixo preço do leite, pago aos agricultores. Os manifestantes se apossaram de produtos alimentares da empresa e de caminhões que estavam no interior da mesma. Parte dos alimentos foi distribuída a moradores de uma vila próxima.
Um dos coordenadores da Via Campesina, Áureo Scherer, disse que ação foi um protesto contra o baixo preço do leite, observando que os produtores rurais recebem cerca R$ 0,30 pelo litro, o mesmo valor da embalagem. No início do ano, os agricultores recebiam o dobro pelo litro. Scherer confirmou que ações deste tipo podem se repetir em outras empresas e em órgãos públicos.
O deputado estadual Dionilso Marcon (PT) defendeu a ação da Via Campesina na empresa Standard, em Esteio, lembrando que os pequenos produtores não agüentam mais esperar pelo aumento do preço pago pelo leite. Se nada for feito para modificar o quadro atual, o parlamentou defendeu novas manifestações. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do RS, Marcon acompanhou parte da manifestação e justificou a apreensão de alimentos por parte dos agricultores.
“Quem está sendo saqueado por essas empresas são os produtores de leite”, disse o deputado petista, que admitiu ter comido um picolé durante a ação. “O que o pessoal pegou de lá foi produto para comer, não foi saque nenhum. Mas quem não come um bom picolé?”. Esse picolé pode virar uma dor de cabeça para Marcon. O deputado Jerônimo Goergen (PP) defendeu a responsabilização criminal do parlamentar pelo fato dele ter comido um picolé alheio.

Leite mais barato do que água

A Standard foi alvo da ação da Via Campesina pelo fato de centralizar a distribuição de leite de usinas do RS. O objetivo da entidade é forçar os governos estadual e federal a agir em favor dos agricultores. A manifestação não foi isolada, integrando uma mobilização nacional para alertar o governo sobre a crise do setor leiteiro. Em Brasília, o protesto ocorreu em frente ao Ministério da Agricultura, onde os produtores lavaram com leite a rua lateral ao prédio por onde entram o ministro e outras autoridades da pasta. “Hoje é mais barato lavar as escadarias com leite do que com água”, protestaram os agricultores.
A Via Campesina reivindica medidas para reduzir as importações, principalmente da Argentina, e critica a Instrução Normativa 51, do ministério, que estabelece novas regras para a comercialização e o transporte de leite. A desvalorização do dólar, o aumento da produção e a queda nas exportações forçaram o preço do produto para baixo.
Nesta quinta, representantes da Via Campesina reafirmaram que pretendem fazer novos protestos no Estado, caso não tenham suas reivindicações atendidas. Uma comissão do movimento reuniu-se com o governador Germano Rigotto (PMDB), que recebeu as demandas de aumento no preço do leite pago ao produtor e incentivo a programas de moradias. Questionado por jornalistas sobre a possibilidade de novas ações como a que ocorreu em Esteio, Áureo Scherer respondeu que “quem está fazendo saques são as grandes empresas contra o bolso dos produtores”.
No final da CPI do Leite, concluída na Assembléia Legislativa gaúcha, em junho de 2002, foi constatado que a maior fatia do preço do litro de leite pago pelo consumidor fica com os varejistas, com as indústrias e com os fabricantes de embalagens. Os pequenos agricultores acabam sendo os maiores prejudicados neste processo, recebendo um valor que não paga sequer o seu custo de produção.

Bloqueio de rodovia

Os agricultores também conversaram com um representante do Ministério da Agricultura e Pecuária. Segundo eles, o governo federal se comprometeu a utilizar leite e produtos da agricultura familiar no abastecimento do Programa Fome Zero e na merenda escolar, além de garantir um maior controle na importação do leite e produtos derivados. Apesar das conversações, os protestos continuaram nesta quinta.
Integrantes do MST, da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) bloquearam, durante cerca de quatro horas, a BR 116, em Esteio, rota estratégica para chegar a Porto Alegre. O bloqueio foi uma resposta à decisão da justiça que mandou apreender dezenas de ônibus utilizados na ocupação da Standard Logística. A juíza Iara Castilhos dos Reis havia determinado a apreensão dos veículos como garantia de pagamento dos prejuízos causados durante a ação.
Na tarde desta quinta, ele voltou atrás e decidiu liberar os ônibus, determinando à Polícia Rodoviária Federal, no entanto, que os agricultores só desembarcassem em seus municípios de origem, não podendo entrar em Porto Alegre, como pretendiam. O presidente da empresa ocupada na noite de quarta, José Luis Demeterco, avaliou em R$ 5 milhões os prejuízos pelo fato de ter que ficar um dia parado. Segundo ele, houve um equívoco da parte dos manifestantes porque a Standard Logística não compra leite in natura, fazendo apenas o transporte dos produtos.
Áureo Scherer, por sua vez, garantiu que a mobilização dos pequenos agricultores vai continuar. “Vamos fazer todo tipo de ação para segurar o homem no campo, não tenham dúvidas”, afirmou. A guerra do leite é apenas mais um capítulo da luta dos pequenos agricultores em defesa de sua sobrevivência como trabalhadores do campo. Uma luta que, tudo indica, está longe de terminar.

Fonte: Agência Carta Maior (Marco Aurélio Weissheimer)