Serviço público é próxima vítima da terceirização

As manifestações de 1º de Maio, Dia do Trabalhador, nesta sexta-feira, têm como alvo o projeto de terceirização aprovado na Câmara dos Deputados e que agora foi para o Senado (PLC 30/2015). Apesar de o foco das discussões sobre o projeto ter sido a iniciativa privada, os servidores públicos precisam ficar em alerta. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que os deputados começarão a discutir, num prazo entre 30 e 60 dias, propostas para regulamentar as terceirizações na administração pública. Isso irá ameaçar ainda mais a carreira dos servidores.

A terceirização já está no Judiciário e irá aumentar, atingindo também a chamada atividade fim, não mais se restringindo às atividades meio. Essa forma de contrataçao tem sido usada como uma opção para reduzir os gastos do setor com o funcionalismo desde a chamada “reforma gerencial” da administração pública, implantada no governo FHC.

Foi nessa época que surgiram algumas das principais formas de terceirização ainda em vigor na administração pública brasileira, como as cooperativas de trabalho e as organizações sociais (OSCIPs).

Percentuais elevados

Atualmente, cerca de 35% dos contratos de trabalho no serviço público federal não são regidos pela Lei 8.112/90 (Regime Jurídico Único), mesmo após diversos Termos de Ajustes de Conduta (TACs) feitos com o Ministério Público em meados dos anos 2000 para substituir trabalhadores terceirizados por servidores concursados. Nos anos 90, o percentual de terceirizados em alguns Ministérios, como o do Meio Ambiente e o da Ciência e Tecnologia, chegou a cerca de 70%. Hoje, nos Tribunais, os terceirizados estão em vagas de vigilantes, motoristas, recepcionistas, telefonistas, copeiragem, jardineiro, técnicos de Tecnologia da Informação, jornalistas, técnicos de áudio e no setor de limpeza.

No Judiciário, a distinção entre atividades meio e atividades fim ganhou ênfase com a Portaria nº 155/2013,  do CNJ, que instituiu um Grupo de Trabalho encarregado de elaborar estudos e formular propostas para a implementação de uma política nacional de priorização do primeiro grau de jurisdição na Justiça brasileira.

A Portaria considera a atividade administrativa como secundária, na lógica de justificar o quadro atual de terceirização e proporcionar seu avanço, além de acomodar o trabalho de estagiários, voluntários, trabalhadores de entidades conveniadas, entre outros, substituindo o servidor por mão-de-obra barata.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), garantiu que, ao contrário do que ocorreu na Câmara, a tramitação da matéria levará o tempo necessário para que o tema seja devidamente maturado. Mas, apesar da postura aparentemente democrática e contrária à precarização total das relações de trabalho demonstrada pelo presidente do Senado, as centrais sindicais e sindicatos não vão ficar parados. O fato é que não dá para negociar em cima de um projeto tão danoso aos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. Ele deveria ser, sim, engavetado de vez. Mas, para isso, a nossa luta tem que aparecer. 

Na surdina, STF legitima terceirização

No mesmo dia em que a Câmara dos Deputados aprovou o projeto da terceirização, 15 de abril, do Supremo Tribunal Federal (STF) saiu a decisão que aprofunda o modelo no país, ao extremo de possibilitar o fim do concurso público para as áreas sociais dos governos, como hospitais e universidades, por exemplo.

A votação, feita sem alarde, impedindo, assim, qualquer tipo de manifestação pública a respeito, foi no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra as organizações sociais (OS) e que há 17 anos esperava julgamento.  A Corte decidiu que o poder público pode terceirizar seus serviços sociais por meio da contratação dessas figuras jurídicas de natureza privada.

Hospitais públicos na mira

Para a secretária-geral do Sindicado Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), Claudia March, ouvida pelo site Carta Maior, esta foi uma sinalização importante e perigosa de que o judiciário brasileiro concorda com o modelo de precarização das relações de trabalho imposto pelas organizações sociais que, grosso modo, é a versão para o serviço público do que a terceirização pura e simples faz nas empresas privadas.

Nesta quarta-feira, 29, a UFSC, por exemplo, fez uma Consulta Pública sobre a adesão ou não do Hospital Universitário à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, antes da decisão do Conselho Universitário. Trata-se de empresa pública de direito privado que tem autonomia em suas decisões, desde a compra de materiais e contratação sem concurso público, pelo regime CLT, até as decisões sobre o atendimento à população e as atividades de ensino, pesqusia e extensão. O Controle Social do SUS também é substituído por um Conselho indicado pelo governo, em que governo e empresa são maioria se comparados à representação de usuários e trabalhadores. A adesão também irá permitir que atendimentos privados sejam feitos dentro do HU.

“Particular” também pode

O relator original do processo no STF era o ministro Ayres Britto, que manifestou voto contrário à constitucionalidade das OS.  Após sua aposentadoria, foi substituído pelo ministro Luiz Fux, favorável.  “Ao contrário do que ocorre com os serviços públicos privativos, o particular pode exercer tais atividades independentemente de qualquer ato negocial de delegação pelo poder público de que seriam exemplos os instrumentos da concessão e da permissão mencionados no artigo 175, caput, da Constituição Federal”, justificou Fux, na decisão. 

Seguiram o voto do atual relator os ministros Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Carmen Lúcia, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, nos termos propostos pela Advogacia Geral da União da época de Fernando Henrique, e mantidos pelas dos governos Lula e Dilma.  Já os ministros Marco Aurélio Mello e Rosa Weber votaram contra, acompanhando o voto do Ministério Público Federal (MPF). O ministro Dias Toffoli, que atuou no processo quando estava na AGU, se absteve no STF.

O juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior, em artigo intitulado “ADI 1923: legitimação e ampliação da terceirização no setor público”, aponta que um dos grandes problemas da terceirização é que ela favorece a corrupção e o desvio de verba pública, sem perder a sua característica básica que é a precarização. São muitos os processos em tribunais em que as empresas que terceirizam recebem os valores para pagamentos dos funcionários mas não o fazem, além de casos de não recolhimento previdenciário e fiscal.

Nesse sentido, alerta ele, se esses dispositivos de lei foram declarados constitucionais, também podem ser revogados por lei posterior. Portanto, é fundamental que os servidores se mobilizem para participar das atividades chamadas pelo Sindicato. A próxima, em data a ser divulgada, será um debate sobre a terceirização. Com informações da Carta Maior e edição do Sintrajusc