ONGs discutem estratégias de confronto ao Fórum da Água “oficial”

Além de discutir um conjunto de propostas gerais para a condução da luta internacional contra a privatização das águas, as ONGs presentes ao Fórum Mundial Alternativo da Água (Fame) debateram, neste sábado (19), estratégias de confronto com o 4° Fórum Mundial da Água (FMA), que acontecerá na Cidade do México em março de 2006.
Ao contrário do que quer fazer crer, explicaram os ativistas, o Fórum Mundial da Agua não é um evento ligado à ONU, nem constitui um orgão decisório oficial. Composto e gerenciado por um conglomerado de empresas multinacionais em parceria com os bancos de desenvolvimento multilaterais – como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) –, tem como objetivo apresentar propostas de políticas e gestão dos recursos hídricos mundiais aos Estados em uma perspectiva claramente privatizante, dizem das ONGs.
Segundo o economista David Barkin, professor da Universidade Livre Metropolitana do México, o principal objetivo das empresas multinacionais de saneamento e distribuição da água é claramente assumir a parte lucrativa deste setor, ou seja, a gestão dos serviços. Esta fatia, que dispensa os caríssimos investimentos em infra-estrutura (geralmente bancados pelos poder público), pode mais facilmente ser alvo de ações que possibilitem o livre manejo de preços e do próprio serviço. Por outro lado, parcerias com as instituições financeiras posssibilitam a apropriação de toda a cadeia de saneamento e distribuição de água, o que pode excluir definitivamente o poder público do controle desses serviços.
“Um exemplo do que está ocorrendo hoje é o forte movimento, por parte dos Estados, de descentralizar a gestão da água. Isso significa delegar a responsabilidade à prefeitura, que, se não tiver recursos, fatalmente lançará mão das privatizações dos serviços básicos. Mas, prevendo cobrir todos os flancos, a parceria com o Banco Mundial no FMA, por exemplo, é uma garantia de bom negócio tanto para o próprio banco quanto para as empresas. Ou seja, as últimas têm o financiamento de que necessitam e o primeiro garantias de que não sairá no prejuízo, o que teria mais chances de ocorrer se o empréstimo é feito para o poder público”, explica Barkin.
Para o economista, o grande embate entre a sociedade civil organizada e as empresas na disputa do modelo de gestão da água se dá na briga pela simpatia dos governos e da opinião pública. Como denunciado durante os debates do Fame, desde a última reunião do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (Gatts) da Organização Mundial do Comércio (OMC), em fevereiro passado, as empresas estão dobrando as pressões sobre os governos. Muitas vezes, segundo afirmaram as organizações do Fórum Alternativo, com ajuda dos países da União Européia, que vêm usando dinheiro de programas de combate à pobreza para pressionar governos a acelerar as privatizações em seus países.

FMA 2006: brigar dentro, fora ou nos dois?

Um dos dilemas recorrentes das ONGs mais próximas às lutas sociais é a participação ou não dos eventos institucionais como o FMA, já que é praxe dos movimentos de resistência organizar manifestações e eventos paralelos. Desta vez, no entanto, parece haver um consenso das diversas entidades que é preciso disputar sim o espaço político do lado de dentro, apesar das prováveis dificuldades que os organizadores do evento devem interpor.
“Se o objetivo desta edição do FMA é apresentar aos Estados soluções práticas aos problemas relacionados à água, e se estas soluções obviamente serão as várias versões da privatização, temos que fazer a disputa apresentando projetos alternativos e viáveis de gestão públicas dos recursos hídricos, que é o que defendemos”, explica Barkin.
No período que antecede o FMA, porém, além de um intenso trabalho de mobilização junto à sociedade civil dos vários países, as ONGs do Fame pretendem organizar diversas ações, como fóruns preparatórios, articulações junto a governos locais e intervenção na elaboração dos documentos nacionais que serão levados ao FMA, denúncias sobre a piora dos serviços de distribuição de água e saneamento após as privatizações etc.
Do ponto de vista político, um dos objetivos das ONGs é se antecipar às ações das empresas e trabalhar a temática da água junto à opinião pública. Nesse sentido, aproveitando os debates realizados pelos movimentos sociais no último Fórum Social Mundial (que gerou a proposta da Plataforma Mundial da Luta pela Água), foi proposta a realizaçãoo de tribunais internacionais populares de julgamento das grandes empresas multinacionais, a criação de uma página na internet sobre a temática da luta pela água em que todos os movimentos e organizações possam se articular, e a apresentação de propostas concretas (técnicas e políticas) de manejo e defesa das águas.
Ainda na esfera política, as várias organizações, principalmente as conectadas à Rede de Movimentos Sociais do FSM, devem monitorar todos os processos de negociação dos vários Tratados de Livre-comércio (TLCs) na América Latina, onde a liberalização da água está sendo tratada com especial atenção pelos EUA, as reuniões do Gatts e, no final do ano, a cúpula ministerial da Organização Mundial do Comércio, quando o tema água deverá ser um dos destaques.

Fonte: Agência Carta Maior