Florianópolis: uma cidade em ebulição. Leia aqui artigo da jornalista Elaine Tavares

Por Elaine Tavares *

Foi assim em 1994, no México. De repente, os índios chiapanecos encapuzaram os rostos, recusaram o personalismo, e viraram um único corpo, em luta. Já basta, diziam. Nunca mais o mundo sem nós. Agora é assim em Florianópolis, capital de Santa Catarina. Crianças, adolescentes, estudantes de todas as séries, universitários, sindicalistas, populares de todos os bairros, recusam o personalismo e formam um único corpo, em luta. Já basta, dizem. Querem que a prefeitura reduza as tarifas do transporte público.

O movimento começou na segunda-feira, dia 28 de junho. Revoltados com o aumento de mais de 15%, que elevou a tarifa mais cara para três reais, as pessoas foram às ruas. Movimento espontâneo de gente sofrida que mora nos confins da ilha. Como gastar seis reais por dia só em ônibus? O grito saiu, o povo parou os terminais de integração, potencializado por um movimento que já ganhara as ruas: o dos estudantes em luta pelo passe livre.

Desde então, as gentes estão nos caminhos, em protestos gigantescos que começam a se formar a partir das 16h, em frente ao terminal do centro. Meninos e meninas das escolas públicas, gurizada ainda, com suas enormes mochilas, repletas de livros e cadernos, bochechas vermelhas de frio e fibra. Secundaristas, universitários, velhos lutadores de todas as lutas, grafiteiros, gentes das comunidades de periferia. Um mosaico de rostos, Sem nome, mas com direção.

Não há líderes, embora a prefeita e seus porta-vozes oficiais – a mídia – insistam em dizer que é coisa política, por causa das eleições. Certamente a prefeita não usa ônibus. Mas, as gentes em protesto não negam: É político, sim! – É político porque somos cidadãos – povo que vive na cidade – que sofre as más políticas públicas – berra um garoto, no microfone improvisado no meio da rua. E, assim, as pessoas vão se expressando nas assembléias abertas que acontecem a cada vez que se juntam.

Nada é discutido à portas fechadas ou em pequenos grupos de iluminados. Tudo é feito ali, às claras, nas ruas, na liberdade. É um movimento autônomo que vai se fazendo na medida em que caminha aquele povo todo, pelas ruas, a gritar, chamando os trabalhadores que se aglomeram nas portas dos comércios. “Vem, vem pra luta, vem, contra o aumento”. E a eles se juntam os sorrisos, os papéis picados que caem dos edifícios, os dedos erguidos no sinal de positivo.

Mas o movimento não é só alegria. Na quarta-feira, dia 31, a polícia mostrou sua cara feia. Ela, que havia se mantido só em vigia, pegou pesado. Quando a noite caiu, vieram os cassetetes, os cachorros enfurecidos, os cavalos. Foram horas de terror. Narizes quebrados, olhos ardendo pelo gás, gente machucada, prisões. O caos. É que o povo da prefeitura havia reclamado do “bom-mocismo” da polícia e exigia rigor. O rigor foi a violência contra meninos e meninas, garotada, e a gente do povo que exercia seu direito de manifestar repúdio contra uma política pública.

Mas, apesar do pavor, ninguém se rendeu. O movimento continuou mais forte do que antes. Juntou mais gente, a ponte foi fechada. O trânsito parou, a cidade parou. Vieram as reuniões na prefeitura, na Câmara de Vereadores, na OAB. A vaga cresceu, tomou corpo. A prefeitura já começou a falar em “soluções”.Os pais dos estudantes começaram a se mobilizar também, a fazer reuniões, a se organizar. A cidade está em ebulição. O povo em rebelião. É como se, de repente, percebessem tudo o que está por trás de um simples aumento dos ônibus. Um poder descomprometido com a maioria, uma prefeitura que governo para os ricos, uma cidade que não se importa com a dor da sua gente. Então, vem o grito. Basta!!!!

Segunda-feira, dia cinco, lá estava, de novo, toda a gente na rua. O movimento recomeçou a todo vapor. Está marcada para quinta-feira, dia oito, uma grande manifestação que vai, outra vez, parar a cidade. O povo quer ser ouvido. O povo quer que o poder público governe para ele. Não para empresários ou para meia dúzia da elite local. É a gente do povo que anda de ônibus, que ganha salário mínimo, que não suporta mais ter que tirar o pão da boca dos filhos por causa da ganância de quem tem poder. E a vaga das gentes, sem nome, sem rosto, não vai parar. Só quando as tarifas baixarem. Só quando baixarem!…

*Jornalista e Coordenadora do Sintufsc

Fonte: Sintufsc