Artigo: Trabalho escravo dentro da Justiça do Trabalho?

Por Hélio Estellita Herkenhoff Filho* – 21/10/09

Tudo indica que a resposta é positiva. Por isso penso que devo colaborar; não é um desabafo de um servidor público sem experiência; é preciso romper com as tensões para poder se emancipar pelo surgimento do “novo”, porque, assim, o tempo não pára [criação]. Mas, sei que muitos se identificarão com o que será explicitado aqui. Assim, me atreverei a fazer indagações que muitos gostariam de dizer, para expor idéias que são também dos que cultivam o medo que nelas foi plantado por Administradores de Tribunais Regionais para quem “errar não é humano; depende de quem erra”.

Mas, desde já quero esclarecer que os meus colegas não são pessoas que me olham “de baixo para cima”. Eu não os olho de cima para baixo; estamos no nível em que o diálogo se dá de modo democrático. Eles sabem que eu não sou herói e que entendo que pessoas que precisam de heróis nunca serão colaboradores.

Quando eu digo que há trabalho escravo na Justiça do Trabalho estou querendo chamar a atenção das pessoas sobre a carga de trabalho a que estão submetidos os Servidores da Justiça que tem a finalidade de analisar adequadamente os processos [que não são apenas um amontoado de papel], o que significa equilibrar a balança da liberdade, visando a proteção dos mais fracos num jogo de regras leais em que não se tolera a má-fé. A pergunta que não quer calar: em casa de ferreiro, o espeto é de pau?

Tenho conhecimento de que Servidores de um Regional estavam em greve, por conta do excesso de trabalho forçado, tendo o tempo e a pressão a lhes atrapalhar, pois ainda há “gestores” que imaginam que se deve por na prática o velho brocardo que diz: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

E não me parece distante esse tipo de pessoa que não consegue enxergar a um palmo sequer dos olhos [numa miopia de conseqüências imprevisíveis]; que não entende que em um País democrático o poder deve ser usado para ajudar os mais fracos, mas nunca para pisotear gente dotada de boa vontade, bom caráter, inteligência, gente sensível e que sabe a importância de se prestar um serviço de qualidade e o tanto quanto possível rápido ao jurisdicionado, tendo consciência de que isso depende de todos, desde o Servidor que desempenha funções mais simples até os Desembargadores, mas os Servidores querem gestores públicos que já seguem como “norte” do seu agir a idéia de humanização dos seres humanos, pois, assim, deixar-se-ia de se tratar pessoas como se fossem objetos substituíveis, na medida em que cada ser humano é diferente do outro e não é substituível, ao menos aos olhos dos que lidam com os direitos humanos e que sabem que o bom convívio é necessário para que se mantenha qualquer comunidade.

A idéia de hierarquia não é adequada quando se pretende uma gestão em que aja diálogo, ao menos nos casos em que essa hierarquia apenas serve de escudo protetor contra raios luminosos que saem de cabeças pensantes das pessoas que desejam se fazer “sujeito do processo de civilização” para além das portas dos prédios onde trabalham de modo sério e honesto.

Os dados estatísticos indicam que o TRT do ES está entre os mais produtivos do Brasil e tem gente que acha que isso é milagre, mas não é.

Por trás da cortina estão os Servidores exaustos de tanto trabalho, com a sensação de que querem lhe tirar o sangue, todo o sangue, até o fim.

O melhor, portanto, é pensar em colaboração e consideração da realidade. Chega de positivismo jurídico; chega de abstrações.

Não se pode lidar com a Administração Pública sem considerar os direitos humanos. Você não sabe do que se trata? Está refletindo e chegando à conclusão de que todos os direitos são humanos. Então pare.

Não vou entrar em detalhes incabíveis neste espaço. Apenas vou dizer para você que há direitos que tratam da vida das pessoas de modo mais direto que outros; que são essenciais para que exista o que atende pelo nome de “ser humano”.

E aí é preciso indagar, como quem pergunta ao mundo, se um administrador público, mostra-se apto para desenvolver as suas funções, quando responde “que não há guerra sem mortos”, ao ser indagado por um médico de um Regional sobre o aumento da incidência de doenças em Servidores Públicos, ante o excesso da carga de trabalho.

Esse administrador terá condições humanas adequadas ao cargo, se, além disso, em reunião com Secretários das Varas do Trabalho disse que devem trabalhar mais; que se não fizerem isso estarão roubando do Tribunal, quando é público e notório que os Secretários, de um modo geral, trabalham até em dia em que não há expediente. Há mais: é dever do Servidor Público tratar os demais com urbanidade. Por oportuno, em casa fui educado para tratar todos com urbanidade e a não permitir que me tratem como objeto descartável. Não à idéia da modernidade consumista de que “tudo que é sólido vira pó”.

Os administradores modernos investem nas pessoas, porque sabem que tratar da saúde dos trabalhadores também é bom economicamente. Mas essa visão diz pouco.

É preciso ir além e dizer que a Constituição cidadã exige concurso público para o ingresso em cargos públicos e que há gente de olho em um projeto de Emenda Constitucional que está pronta para nos pegar de surpresa, e formalizar o que não é ético: servidores estaduais que já ocupem cargos comissionados ou até funções comissionadas durante anos serão incorporados ao quadro de pessoal dos entes federais. É o que se chama de entrar pela janela; e tem gente que entrou pela janela nos Regionais, ou seja, sem fazer concurso público, e está mandando sem medo de ser feliz, a despeito de sacrificar a saúde alheia, afinal, manda quem pode…

Não é adequado pensar em administrar a Justiça do Trabalho como quem administra uma entidade de direito privado.

O Servidor Público ingressa para ocupar o cargo e realizar o trabalho em prol da coletividade, sem visar lucro e, é preciso que aja mais uma visão de colaboração e de bom senso entre todos que se encontram no mesmo “barco” do que a existência de heróis e adversários.

Portanto, o administrador deve ficar atento para a realidade social para que possa prever e evitar a necessidade de se atribuir muito trabalho para poucos Servidores, pois isso acaba implicando diminuição da qualidade do que se oferta aos cidadãos e em problemas de saúde sérios. Quem deve pagar o preço da improbidade administrativa decorrente da falta de eficiência em caso de escassez de gente para trabalhar em prol da coletividade, por não ter previsto isso. Será justo sacrificar a saúde do servidor público, violando-se regra Constitucional que determina que se conceda um ambiente de trabalho saudável a todos?

A verdade não está no céu e tampouco na terra; está à meia altura como disse filósofo alemão conhecido pelos que gostam da arte de indagar, de criticar continuamente o “conhecimento”.

Então, nada de heroísmo. Quem precisa disso é gente que não pensa ou não quer pensar, porque se encontra em posição que imagina ser benéfica.

Muito trabalho implica redução da qualidade do serviço público que está sendo ofertado ao jurisdicionado e, no caso da Justiça do Trabalho, em regra, esse jurisdicionado é um empregado que antes da dispensa teve seus direitos violados por capitalistas selvagens e que ganhava do empregador coisa de 3 salários mínimos, em média. Então é preciso calma e equilíbrio para que a Justiça trabalhe bem em prol da coletividade.

O mundo dá voltas e às vezes é preciso ficar de cabeça para baixo para ver as coisas invertidas; para ver o outro lado da moeda. O dirigente deve pensar no Servidor e vice-versa; deve haver diálogo, transparência e segurança-jurídica, pois se as regras do jogo se alteram da noite para o dia, não há como viver com tranqüilidade, pois as previsões são destruídas covardemente.

O que me agride é ver gente desvalorizar o trabalho do outro, como se o problema não o envolvesse; como se houvessem dois mundos, dois adversários em guerra.

E isso me agride, porque sou de família alemã e sempre me explicaram muito bem que a paz só se conquista com atos de paz. Deve-se buscar a harmonia entre os que estão no mesmo barco; devem-se usar as chaves que Deus nos entregou para fazer o mundo melhorar para todos; deve-se dividir o poder de decidir ou decidir levando em conta idéias de pessoas que podem colaborar; que não se deve discriminar, pois nenhum “ser humano é melhor que o outro”; que há necessidade da diferença no seio social, mas deve haver conforto adequado.

Assim, os direitos humanos devem ser respeitados, entre os quais a honra e a imagem das pessoas que ocupam cargos públicos, por merecimento, a sua vida, o direito ao laser, o direito de doar afeto aos filhos, etc.

O que se pode dizer, sem medo de errar, é que o direito do Servidor Público de ter um ambiente de trabalho saudável implicará a adequação do “tempo qualitativo” para todos os envolvidos com a Justiça do Trabalho.

E viva a liberdade de expressão que se realiza com seriedade e respeito, pois tem como objetivo o bem da coletividade!!!

Não estou “plantando vento para colher tempestade”, pois semeio idéias boas com a intenção de colher bons frutos. Até aceito colher chuva, se a água que cai do céu não for ácida ao ponto de matar o meu amor ao próximo.

Repito. Não sou herói, mas persigo a concretização da moralidade, da transparência, eficiência, probidade e da impessoalidade administrativa e da democracia que liberta pela emancipação do “ser humano” que não vive só; comungo com a idéia dos que pensam que a verdade não é um “dado” a ser descoberto, mas uma idéia que surge da aproximação de pessoas que pretende construir em comunhão um modo de viver digno para todos. E a gente para que isso se realize.

Mas tendo respirar democracia e sinto falta de ar. É provável que eu não viva tempo suficiente para ver o mundo agir em colaboração, mas vou fazer a minha parte dentro do possível.

De todo modo, meu ideal, como todos ideais, está “além do horizonte”, como fala a letra da música de cantor renomado que nasceu na capital secreta do mundo. Mas não há dúvida: à medida que andamos, esse horizonte anda também. Isso é viver. Estamos aqui para ajudar, para colaborar com os que pretendem participar do processo de humanização do “ser humano”, o que significa que há necessidade de se preencherem os núcleos essenciais dos direitos humanos a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, que significa que no cento de atenções do sistema jurídico está o “ser humano”, independentemente de qualificações [se é divorciado ou não, etc.].

Trabalho com um Desembargador que é tratado ironicamente pelos positivistas como sendo o Doutor Dignidade da Pessoa Humana. É uma benção. É a tal chave que Deus nos dá e que devemos usar para abrir portas para que surjam dias melhores para todos pela implementação dos direitos humanos de todas as dimensões.

Quem não sofre com a morte de uma criança por conta da invasão de favelas pela Polícia no Rio de Janeiro; quem não sofre quando vê crianças abandonadas pelos pais; quem não deixa cair uma lágrima sequer dos olhos quando tem notícias de guerra, onde morrem civis ingênuos; quem não sofre quando vê gente pedindo esmola pelas ruas da cidade onde deveria estar brilhando o sol da cidadania; esse que não sofre já perdeu o sentido, já não sente e deve ser ajudado a ressuscitar. Daí a importância da provocação, desde que tenha aptidão para levar o outro a refletir um pouco mais sobre a vida; e não me refiro à vida de um indivíduo, mas ao movimento de superação que tem como objetivo fazer surgir a felicidade aos que se encontram no mundo. Viver é a arte do encontro, já dizia o poeta, músico e ex-embaixador da bossa nova. O nosso “ser” é “ser” no mundo, portanto, resulta das tradições e da criação contínua que respeita o que já foi realizado, exatamente por levar em consideração “o realizado” na construção contínua de idéias comuns.

*Hélio Estellita Herkenhoff Filho é analista judiciário do TRT da 17 Região, desde 1994, lotado atualmente no Gabinete do desembargados Carlos Henrique Bezerra Leite. Tem três livros publicados sobre direito processual do trabalho pela Lumen Juris; artigos publicados na revista de direito do trabalho, em site jurídicos e no jornal A Tribuna.