A Portaria

Por Robak Barros*
 
 
​Diz uma antiga lenda que um colega chegou ao Tribunal, estacionou o carro, ia subindo ao local de trabalho, quando alguém o interpelou: – Ei, você aí, não sabe que não pode estacionar aí?
-Mas não posso por que, Tchê?
-Porque é reservado para os juízes!
-Quem disse, se é um espaço público?
-A Portaria, tem uma portaria que proíbe.
-Podemos discutir essa portaria excelência?
-Ah! Vá, vá!
Aqui, no chão da fábrica, no interior, estou na iminência de ter o carro guinchado, pois estaciono num cantinho que sobra do estacionamento, onde nenhum vivente, togado ou não, colocaria o carro, mesmo assim querem que eu me sinta um criminoso, querem que eu saia, em respeito à portaria. Tomei a iniciativa de estacionar ali, não sem antes avisar o juiz, Pois vinha trabalhar manquitolando, com dores no tornozelo, às vezes no joelho – coisas de artroses e crises de gota. Me acompanha um par de muletas, que deixo no porta-malas para as emergências. Poderia pegar atestados e ficar em casa, mas não é da minha índole. Então olhei para mim mesmo, bem no grão dos olhos, e respondi ao colega: – Não tiro, o meu carro vai ficar ali! E daí como é que fica? Manda guinchar, que eu quero fotografar!
São momentos em que o sangue sobe pra cabeça, oxigena a mente e a gente lembra de um amigo, Vicente (Vicentauro), que, quando os “colegas” ousavam não respeitar seus cabelos brancos, o tempo vivido e o tempo doado para a instituição, devolvia os adjetivos na mesma medida e intensidade.
Entendo agora, quando metia o malho nos “chefetes”, muitos, ao longo dos anos, perdiam grande oportunidade de serem porta-vozes de seus subordinados ou colegas para serem a voz do dono das coisas que não têm dono. O espaço público pode ser compartilhado pelos servidores, de maneira ordeira e revezada, espaço que é loteado pelos que ganham mais, enquanto os bagrinhos, sem distinção de idade ou tempo de serviço, ficam a mercê de acharem uma brecha aqui ou acolá ou pagar caro em estacionamentos privados.
Eu rodo a baiana quando olho cá de cima e vejo um estacionamento às moscas e os colegas pagando estacionamento na cidade. Eu rodo a baiana quando alguém que precisou passar no local de trabalho rapidinho para deixar uns processos e levar a esposa ao médico teve os pneus esvaziados. Assim, na maior cara-de-pau.
Aí me disseram:
-Ah mas está vazio apenas nas sextas-feiras. E eu respondo: – Mas, mesmo assim, dava perfeitamente para fazer uma escala de revezamento durante toda a semana.
-Você mesmo, tem cada atitude, onde já se viu não obedecer uma portaria? Onde já se viu você colocar de volta as faixas da greve (adquiridas com dinheiro dos filiados) que alguém mandou outro “colega” tirar? É por isso que você nunca consegue nada do que pede!
– O que, por exemplo?
– Remoção, por exemplo, para a qual você se inscreveu recentemente!
– Ah! Nada a ver, eu só não consegui porque descobriram que eu sou afro-descendente. Embora eu tenha a pele branca e os olhos verdes, descobriram que meus antepassados têm origem naquilo que chamam de berço da civilização, a África. Me entrevistaram e inventaram um motivo qualquer para não acolher alguém que tem opinião, atitude e, principalmente, um sindicalista (um afrodescendente, aqui não!).
– Para não parecer discriminação poderiam usar a tal meritocracia, tão em voga, e me chamar de incompetente pelo menos! Pois eu vivo dizendo: Só sei que nada sei! E em mais uns dois ou três anos vou ter o domínio de 50% do SAP1.
 
Texto escrito em em 14/07/2017

*Robak Barros é coordenador do Sintrajusc na região Sul