Produção estrangeira domina programação infantil no Brasil

A programação da televisão brasileira aberta não satisfaz as necessidades de crianças e adolescentes, principalmente as de 8 a 11 anos, que só encontram atrações apropriadas para elas em alguns canais da televisão por assinatura, aos quais apenas uma pequena parcela da população infantil tem acesso. Sem uma produção nacional de programas televisivos de qualidade dirigidos a crianças dessa faixa etária, as emissoras e produtoras de TV têm como um de seus grandes desafios a ocupação desse espaço. Esse é o “recado” trazido a público por uma pesquisa divulgada nesta semana pelo Midiativa – Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes.
O trabalho foi feito em São Paulo e no Rio de Janeiro com as classes A, B, C e D. Ele indica quais são os programas da TV aberta e fechada preferidos por crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, e cuja qualidade é aprovada pelos pais. O perfil dos programas selecionados revela o tamanho da hegemonia estrangeira sobre os desenhos animados e a teledramaturgia disponíveis para as crianças e jovens brasileiros. A faixa etária dos 4 aos 7 anos contou com 14 indicações, das quais apenas 2 são feitas no Brasil (TV Xuxa e Sitio do Pica-pau Amarelo). Dos 8 aos 11 anos, foram indicados 21 produções, sendo 2 brasileiras (A Grande Família e TV Globinho). E dos 12 aos 17 anos, com 17 indicações, a tendência se inverte e 11 delas são produzidas no país.
As informações colhidas também servirão de base para a segunda edição do Prêmio MídiaQ, que será entregue na próxima terça (25), com o objetivo de dar visibilidade às produções televisivas de qualidade assistidas por crianças e jovens (leia mais “Pesquisa mostra melhores programas para crianças”). No ano passado, não houve vencedores na categoria de 8 a 11 anos porque o conselho de especialistas que seleciona os premiados considerou que nenhuma das produções que concorriam para essa faixa etária atendia plenamente aos critérios básicos adotados para o prêmio, que conta com mais outras duas categorias, de 4 a 7 anos e de 12 a 17 anos. A decisão, segundo o Midiativa, foi também uma forma de chamar a atenção do mercado para a carência de produções adequadas para essas crianças.
Neste ano, a pesquisa foi estendida à televisão por assinatura e, com isso, ficou clara a ausência de produção nacional na faixa etária de 8 a 11 anos, em especial para as camadas de menor renda, porque a quantidade de programas apontados na TV fechada foi muito superior à da aberta. “Dessa vez, eles incluíram acertadamente a televisão por assinatura e o contraste ficou maior. A pesquisa reforçou mais uma vez o apartheid da TV brasileira, entre a televisão dos ricos e a dos pobres. Há um cardápio relativamente diversificado de programas para essa faixa etária na televisão por assinatura e praticamente nada na aberta. Mais uma vez aqueles que têm mais recursos são mais favorecidos com uma oferta maior de programas, principalmente nessa faixa etária”, afirma Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Quase toda a programação infanto-juvenil veiculada no Brasil é produzida fora do país. “Qual é a influência que isso tem na formação de crianças e jovens como seres humanos e como cidadãos?”, questiona a diretora do Midiativa, Âmbar de Barros, que considera necessária uma TV “com os nossos valores, que mostre as nossas raízes”. Outro aspecto que chama a atenção na pesquisa é a falta de conhecimento da programação infanto-juvenil por parte de pais e mães, principalmente a dos canais infantis da TV por assinatura. “Cada vez mais os pais estão se eximindo da enorme responsabilidade de acompanhar o que seus filhos vêem”, diz Âmbar.
Isso se torna ainda mais grave considerando-se que as crianças brasileiras foram apontadas como as que passam mais tempo diante da televisão, seguidas das americanas, numa pesquisa divulgada na França, segunda (17), pela Eurodata TV Worldwide, com nove países (Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Itália, África do Sul, Espanha, Reino Unido, França e Alemanha). Enquanto uma criança brasileira permanece em média 3 horas e 31 minutos por dia diante da televisão, as alemãs não ficam mais que uma hora e meia em frente ao televisor, ainda que 95% dos lares tenham acesso à TV a cabo e a uma grande oferta de canais gratuitos.

Adolescentes

Em 2004, a parte qualitativa da pesquisa mostrou a visão de pais e mães sobre a televisão. O trabalho identificou os valores que eles gostariam que os programas transmitissem para seus filhos, resultando numa lista de 10 mandamentos para uma programação infanto-juvenil de qualidade. Neste ano, a pesquisa qualitativa se centrou nos adolescentes de 12 a 17 anos, público considerado como um desafio para a televisão e para os próprios pais. Ela buscou descobrir os desejos dessa faixa etária, o que eles esperam da TV e de outros meios de comunicação e como os adolescentes se relacionam com eles.
O estudo mostra que os jovens pesquisados traçam objetivos claros para o futuro, mas não têm sonhos nem bandeiras, e estão confortáveis e satisfeitos com o que os pais conseguiram proporcionar financeira e emocionalmente. Não pensam em grandes vôos ou mudanças profundas, buscam sucesso profissional e familiar e uma vida financeira estável. A grande maioria se espelha em celebridades, mas é uma geração sem verdadeiros ídolos, pois não admiram ninguém em especial, a não ser os próprios pais, e sequer conseguem apontar características marcantes em alguém que mereça ser admirado. Valorizam a individualidade, não são engajados politicamente e estão descrentes e afastados do dia-a-dia da política. O que eles querem, na verdade, é poder usufruir hoje e sempre de tudo o que a vida moderna e a tecnologia podem oferecer.
De acordo com a pesquisa, os jovens estão se distanciando cada vez mais da TV como ela é hoje, porque esse meio de comunicação já não consegue mais se comunicar bem com esse público, e a Internet e o celular vêm ocupando o espaço deixado. A Internet foi apontada pelos jovens pesquisados como o meio que satisfaz o maior número de desejos deles em relação aos meios de comunicação, como o de saber o que está acontecendo, ter opções de escolher o que quer, fazer o tempo passar mais rápido, abrir possibilidades de interação e participação, e de conhecer, encontrar e conversar com várias pessoas, poder usar uma linguagem do dia-a-dia, rápida e fácil. “Quanto mais os jovens têm acesso à Internet, menos se dedicam à TV, e chama a atenção o baixo índice de conhecimento dos programas que estão no ar e a falta de atratividade deles para os adolescentes”, afirma Ana Helena Reis, diretora geral da MultiFocus, empresa responsável pela pesquisa.
Esse perfil do jovem brasileiro, no entanto, é contestado por Laurindo Leal Filho. Segundo ele, o fato de metade dos entrevistados ter acesso somente à TV aberta e a outra metade ter também À TV por assinatura causou distorções no resultado da pesquisa, que não representa a realidade do jovem brasileiro. “Não é essa a proporção de acesso a essas mídias na sociedade brasileira, ficaria mais equilibrado se fosse proporcional. Assim me parece uma generalização indevida, pois generaliza a partir de dados que não são gerais e não refletem a realidade. Suponho que os jovens tenham objetivos, podem não ser grandes bandeiras políticas, de revolução e transformação social, mas há objetivos. A gente vê grupos se organizando na periferia que têm objetivos políticos muito claros”.
O mesmo desvio ocorreria com a suposta perda de espaço da TV para a Internet. “Qual é o número de jovens que tem acesso à Internet? Os dados que eu tenho são de que não chega a 10% da população, enquanto a televisão está presente em 98% dos domicílios brasileiros, ou seja, praticamente toda a população tem acesso”, argumenta o professor da USP. Sendo tão ampla a diferença entre o acesso à televisão e à Internet, é complicado comparar esses dados. Os 50% que têm acesso à TV por assinatura influenciam nos resultados, já que eles são também da parcela privilegiada que tem acesso à Internet. “Fica inflado artificialmente, o papel da Internet. Na verdade, ela não pode estar roubando tanto o espaço da TV. Rouba, mas naquela camada incluída no mercado, que são 20 a 30 milhões de brasileiros. E Tem potencial de roubar mais, desde que haja uma melhor distribuição de renda”, diz.

Veja a lista dos programas, segundo faixa etária:

12 a 17 anos

– A Diarista
– A Grande Família
– Beija Sapo
– Big Brother Brasil
– Chaves
– Eu, a patroa e as crianças
– Futebol
– Malhação
– Novela das 8 na Globo
– Os Simpsons
– Pânico na TV
– The O.C.
– RockGol 2005
– TVZ
– Um Maluco no Pedaço
– Vídeo Show
– Zorra Total

8 a 11 anos

– A Grande Família
– As Meninas Superpoderosas
– Bob Esponja
– Chaves
– Coragem, o Cão Covarde
– Ei Arnold!
– Eu, a patroa e as crianças
– Jimmy Neutron
– Homem-Aranha
– Lilo & Stitch da Disney – A Série
– Os Flintstones
– Os Simpsons
– Pernalonga e Patolino
– Pica-Pau
– Rocket Power
– Sabrina
– Scooby-Doo
– Tela de Sucessos
– Timão e Pumba
– Tom e Jerry
– TV Globinho

4 a 7 anos

– Bob Esponja
– Caillou
– Chaves
– Os Flintstones
– Garfield e seus Amigos
– Jimmy Neutron
– Looney Tunes
– As Meninas Superpoderosas
– O Pequeno Urso
– Pica-Pau
– Scooby-Doo
– Sítio do Pica-pau Amarelo
– Tom e Jerry
– TV Xuxa

Fonte: Agência Carta Maior