ONGs da Europa apóiam Brasil na OMC. Leia aqui reportagem da Agência Carta Maior

Por Marcel Gomes
Agência Carta Maior

Organizações não-governamentais (ONGs) reunidas no II Fórum Social Europeu prometeram apoio para que o Brasil suporte a forte pressão dos Estados Unidos em favor de uma ampla liberalização comercial, mesmo sem concordar com todas as posições defendidas pelo país. Desde o fracasso da cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Cancún, há dois meses, o governo norte-americano opera nos bastidores para desmantelar o grupo de países em desenvolvimento encabeçado por Brasil, Índia e África do Sul – também conhecido como G-21.

“É fundamental que essa coalizão seja preservada, e temos de trabalhar por isso”, diz Aileen Kwa, da Focus on the Global South, sediada na Tailândia e uma das promotoras do Fórum Social Mundial 2004, em janeiro, na Índia. “O assédio dos EUA é grande. Países já saíram do grupo por causa da pressão. Quando terminarem as eleições ano que vem nos EUA, o tema da liberalização comercial deve voltar com força”, prevê. Colômbia, Peru e Costa Rica, por exemplo, já se afastaram do grupo.

A opinião de Aileen não foi única. Na realidade, a firme posição do Brasil no último encontro da OMC tem sido uma das pautas preferidas nos debates do Fórum Europeu sobre economia. Representantes de ONGs de vários continentes atribuem ao país o impasse gerado em Cancún, considerado por muitos como “um dos maiores golpes no projeto neoliberal”.

“O G-21 adotou uma postura muito firme na agricultura, exigindo que os EUA e a União Européia (UE) eliminassem todas as suas subvenções. Se o Sul conseguisse costurar essa unidade em outros temas, estaríamos em uma nova era”, afirma Susan George, uma das principais porta-vozes do movimento antiglobalização neoliberal. Ela não endossa, porém, todas as posições do governo brasileiro.

“A subvenção às exportações nós temos consciência de que deve acabar. Isso não ocorre com outros modelos. Poderia ser o fim para pequenos agricultores na Tailândia, no Brasil, que não teriam como competir com os grandes produtores. Como diz a Via Campesina, a agricultura não é tema para ser tratado no âmbito da OMC, e temos de abordá-la em outros fóruns de discussão. A OMC já tem poderes demais”, diz Susan.

No entanto, a divergência não diminui a empolgação das ONGs com o G-21. O apoio ao grupo pode vir de várias maneiras. Mesmo que reduzidos, as ONGs contam com canais de comunicação junto ao secretariado da OMC. Além disso, mantêm um grande poder de mobilização internacional, por exemplo para realizar campanhas.

Durante o Fórum Europeu, por exemplo, a organização Amigos da Terra está divulgando uma campanha contra a pressão exercida pelos EUA para que a EU libere o plantio e a comercialização de alimentos geneticamente modificados.

A pressão sobre o Brasil e o G-21 pode aumentar mais cedo do que se imagina. Nos bastidores, já se sabe que a Comissão Européia – o braço executivo dos 15 países da UE – articula um plano para retomar logo o debate sobre os chamados temas comerciais, como regras para investimentos, compras governamentais, legislação de concorrência e facilitação de negócios.

Se conseguir, será um golpe pesado sobre a união dos países pobres e em desenvolvimento, o que extrapola o G-21. Em Cancún, a exigência do grupo liderado pelo Brasil de que as nações ricas eliminassem subsídios agrícolas ajudou a minar a reunião, mas não causou o impasse definitivo. A pá-de-cal foi trazida pelos países pobres, como os africanos, que não aceitaram ceder aos novos temas. Ao contrário, o Brasil topou o debate, e os membros do G-21 iriam negociar separadamente.

Se ninguém ceder, a curta união dos pobres com os meio pobres corre o risco de acabar em divórcio. Em sua recente viagem à África, o presidente Lula aparou algumas arestas e tentou mostrar, em público, que o relacionamento segue firme. Pode ser verdade agora, mas não se sabe o que aconteceria se os temas de Cingapura voltassem à pauta do dia.

Nesse caso, dependendo da posição brasileira, o apoio das ONGs pode não ficar tão claro também aqui. “A liberalização comercial não pode ser uma finalidade em si. Países da Europa fazem grandes subvenções perigosas e depois pedem que os países pobres abram seus mercados. Na semana passada recebemos o documento que diz que a Europa quer discutir novamente os temas de Cingapura. Nós somos contra”, diz Alexandra Wandel, da Seattle to Brussel.

Fonte: Agência Carta Maior