Metas ou saúde?

A supervalorização das metas de produtividade e o descaso com a saúde dos servidores (e juízes) que são obrigados a cumpri-las tem sido uma marca no TRT-SC. Impor metas é fácil. Basta escrever um número qualquer num papel assinado por quem tem poder de mandar e pronto. Mais três mil processos até o fim do ano. Mais oitocentos processos até o fim do mês. E por aí vai. Metas são números.

Do outro lado, entretanto, é bem diferente. Quem trabalha é gente, de carne, osso, músculos, tendões, nervos, cérebro e saúde que deve ser preservada acima de qualquer meta. Quem estabelece metas pressupõe – sem nenhuma preocupação com comprovação científica – que os servidores e juízes estão trabalhando muito abaixo da sua capacidade e que podem trabalhar mais, num ritmo mais acelerado, durante seu horário de expediente, ou mesmo extrapolar a jornada. Poucas pessoas conseguem correr maratonas, mas é evidente que algumas conseguem. Se alguém que nunca correu uma tentar fazê-lo, certamente será levado a um altíssimo nível de estresse físico. O mesmo acontece quando se aumenta a carga de trabalho desmesuradamente.

No TRT-SC, a jornada máxima de trabalho conquistada pelos trabalhadores, como um direito humano no início do século XX, acabou. As pessoas são coagidas a trabalhar além da jornada para dar conta de uma quantidade de serviço impossível de cumprir dentro da jornada normal. Mas todo mundo finge que não vê. Quando um juiz chama um servidor para trabalhar no seu gabinete, está implícito que o servidor deverá dar conta do serviço que lhe for passado dentro do prazo estabelecido. E o prazo estabelecido é o prazo estabelecido para o juiz julgar. Se o servidor não conseguir, será considerado desqualificado para a função e substituído. Se começar a ficar doente e se afastar por licença médica, também não servirá. Então tem que trabalhar mais e esconder as doenças, trabalhando doente, geralmente à custa de analgésicos.

TRABALHO A MAIS

Como parte substancial do salário vem das funções comissionadas ou cargos em comissão, a substituição implicará redução salarial imediata com todos os efeitos óbvios sobre a renda familiar. Assim, estabeleceu-se no TRT a idéia de que quem ocupa FC ou CJ está obrigado a trabalhar mais, a trabalhar o que for necessário para dar conta das metas. Horas extras, nem pensar. Não há recursos orçamentários. Todo patrão é obrigado pela Justiça do Trabalho a pagar horas extras efetivamente realizadas, menos o “patrão” TRT de Santa Catarina. O Presidente e o vice do TRT não só admitiram como defenderam esta situação em reunião com o Comando de Greve diante de mais de dez pessoas, dentre as quais secretário da presidência, diretor geral e assessores da presidência.

Há aqui pelo menos um equívoco jurídico. A lei não diz que exercício de FC substitui o pagamento de horas extras. Ao contrário, horas extras realizadas devem ser pagas com adicional. As funções comissionadas são um plus salarial em decorrência da maior responsabilidade imposta pelas tarefas e pela qualificação diferenciada que sua execução exige. Se perguntarmos a algum juiz se ele exige trabalho além da jornada de seus subordinados servidores, a resposta será não. Se perguntarmos a algum servidor se ele foi obrigado a trabalhar além da jornada, também responderá que não e ambos estarão falando a verdade. Mas a verdade das palavras nem sempre é a verdade dos fatos. Então, por que cargas dágua servidores se sujeitam a trabalhar além da jornada legal, conquistada a duras penas por gerações passadas de trabalhadores com evidentes prejuízos à saúde? Porque sabem que, se não o fizerem, não darão conta da quantidade de serviço. Se isto acontecer, serão substituídos nas funções comissionadas.

LIMITES DESCONSIDERADOS

É impressionante ouvir depoimentos do tipo: “eu trabalho além do horário porque sou mais lento”. Ou seja, o sistema impõe uma culpa ao trabalhador por ser ele a pessoa que é. Há pessoas mais lentas, outras mais rápidas. Umas que fazem melhor o trabalho intelectual de um gabinete, por exemplo, outras que se dão melhor em outras áreas. Não existem dois indivíduos iguais no mundo. Estas diferenças devem ser respeitadas. É disso que tratam os Direitos Humanos. A lei nos garante afastamento para tratar da saúde. Mas as condições objetivas do ambiente de trabalho não permitem. Quem começa a se afastar muito passa a ser visto com reservas. “Vagabundo, não gosta de trabalhar, fica tirando licença”. Mas quem começa a trabalhar doente para não perder o lugar (e parte do salário) chegará a um ponto em que talvez não mais consiga trabalhar.

Nada do que foi dito até aqui é novidade para nenhum juiz ou servidor da Justiça do Trabalho catarinense. Mas todos fingem que não vêem. O importante é que as metas sejam cumpridas. E dá-lhe metas. E a tal pesquisa de clima? Esqueceu de perguntar quantas horas o servidor trabalha além da jornada. Esqueceu de perguntar quantas vezes ele trabalhou doente. Esqueceu de perguntar se ele já se sentiu pressionado a trabalhar demais. Esqueceu de perguntar quantos finais de semana por mês o servidor costuma trabalhar no tribunal ou em casa. Esqueceu de perguntar se o servidor alguma vez se sentiu assediado moralmente pela chefia. Esqueceu de perguntar tudo o que devia perguntar para saber a verdade sobre o “clima” do ambiente de trabalho. Mas encheu os bolsos de uma empresa de consultoria terceirizada. Às vezes é melhor jogar a verdade para baixo do tapete. A sociedade catarinense precisa saber o que se passa com o seu TRT.