Leia artigo do jornalista Luís Nassif, que afirma ser a democratização da mídia um tema central para o país

Leia texto postado pelo jornalista Luís Nassif em seu blog, comentando artigo do professor Luiz Gonzaga Belluzzo no jornal Valor Econômico desta segunda-feira (19):

Mídia e democracia
Por Luís Nassif

O artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo, hoje no “Valor”, mata a charada sobre o tema direito à informação. Trata-se de um direito individual do cidadão, do qual as empresas de mídia são intermediárias. É mais ou menos a discussão sobre a o conceito de democracia universitária. É um direito de quem trabalha e estuda lá, ou um direito do cidadão-contribuinte?
A mídia é fundamental no levantamento das informações dos diversos grupos sociais, setoriais, intelectuais, quando expõe o contraditório, os diversos ângulos de questões públicas relevantes, permitindo à sociedade como um todo formar consensos e assimilar e criar valores, como público e como agente dessas transformações.
Esse valor foi perdido ao longo dos anos 90, quando a grande mídia (entendidos por tal os veículos formadores de opinião) abandonou o conceito de relevância e da objetividade jornalística, enveredando por um misto de ficção com “esquentamento” de notícias (veja, sobre o tema, meu livro “O Jornalismo dos anos 90”).
Já o valor da mediação foi abandonado no ano passado. Havia uma grande oportunidade para o veículo que praticasse jornalismo, que soubesse aprofundar a denúncia consistente e descartar a denúncia falsa. Principalmente, que não se deixasse contaminar pelo clima de preconceito que acabou tirando a legitimidade da cobertura junto a segmentos amplos da opinião pública. O preconceito acabou tirando a eficácia das denúncias.
Em outros tempos, havia preocupação dos veículos em separar a opinião do dono da cobertura do jornal. Nunca houve cobertura totalmente isenta, mas havia ao menos a preocupação em aparentar essa isenção.
Agora, rasgou-se o véu.
A questão da democratização da mídia – nada a ver com TVs estatais, ou conselhos tutelares – passa a ser um dos temas centrais de discussão sobre a modernização institucional do país. Principalmente quando se percebe que grande parte da responsabilidade por esses anos todos de estagnação foi desse pensamento único, da falta de um arejamento maior da discussão, em uma arena onde o dono da bola definia quem podia brincar.

Informação é direito do cidadão, não das empresas, diz Belluzzo

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico desta segunda-feira (19), o professor Luiz Gonzaga Belluzzo condena a “avalanche de protestos e invectivas raivosas” contra proposta de uma Rede Nacional de Televisão Pública, lançada pelo governo Lula.
No texto, ele faz uma exposição de como o tema é tratado nos EUA e diz respeitar os que combatem “ardorosamente” pelo direito à livre informação, mas lembra: “os titulares do direito à informação e à livre manifestação do pensamento são os cidadãos em geral e não as empresas de comunicação e seus proprietários”.
Belluzzo é professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Leia abaixo a íntegra do artigo:

O debate sobre a televisão pública

Por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo

O ministro das Comunicações Hélio Costa lançou a proposta de criação de uma Rede Nacional de Televisão Pública. Foi soterrado por uma avalanche de protestos e invectivas raivosas. Os críticos se lançaram contra o que seria uma nova tentativa de barrar o direito à informação e à livre manifestação da opinião.
Em 1967, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o Public Broadcasting Act, destinado a amparar os serviços públicos de rádio e televisão. Nos debates que antecederam a promulgação da lei, o senador Hugh Scott, da Pennsylvania, proclamou: ‘Gostaria de ver na televisão coisas que eu odeio, coisas que me fazem pensar.’ O sistema conheceu percalços: irritado com o conteúdo de um programa chamado ‘The Banks and the Poors’ (Os Bancos e os Pobres), o presidente Richard Nixon vetou o orçamento da PBS (Public Broadcasting Service). Teve de engolir uma forte reação da opinião pública. Em 1994, o senador republicano Newt Gingrich abandonou o plano de zerar o orçamento da TV pública, massacrado pela fúria de gente importante que prometia cancelar as contribuições para a campanha.
Ouço sempre com muita atenção e respeito os argumentos dos que combatem ardorosa e bravamente na defesa do direito à livre informação. Mas gostaria de arriscar duas modestas observações. A primeira tem as virtudes e os defeitos do óbvio: os titulares do direito à informação e à livre manifestação do pensamento são os cidadãos em geral e não as empresas de comunicação e seus proprietários. Pode-se até dizer que, nos regimes republicanos, há uma delegação tácita do público a alguns cidadãos ou empresas para que prestem o serviço da informação. Para tanto, os que recebem a delegação devem respeitar certas normas de comportamento, todas elas, suponho, sobejamente conhecidas.
A segunda observação diz respeito às relações entre democracia e informação. Acompanho, neste ponto, o americano Christopher Lasch: ‘A democracia requer um debate público vigoroso, não apenas informação. É óbvio que a informação é importante, mas o tipo de informação exigido na democracia só pode ser gerado pelo debate. Não sabemos o que precisamos saber até que possamos formular as questões corretas e só podemos saber quais são as questões corretas se submetermos nossas próprias idéias sobre o mundo ao teste da controvérsia pública.’
Já escrevi nesta coluna que, em 1947, a comissão sobre a liberdade de imprensa, nomeada pelo Congresso dos Estados Unidos, advertia em seu relatório final: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e os grupos sociais que podem utilizá-la para expressar as suas opiniões. Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massas, ‘diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e idéias através da imprensa’.
O relatório procurou apontar ‘o que a sociedade tem direito de exigir de sua imprensa’. Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião: 1) ‘todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massas’; 2) ‘é necessário que a imprensa dê uma idéia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social – sem excluir suas debilidades e vícios – inclui também reconhecer os seus valores, suas aspirações, seu caráter humano’.
As recomendações exaradas no relatório da comissão sobre a liberdade de imprensa refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos da América e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático sobre o Estado e o poder privado. O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o ambiente intelectual dos anos 40 do século XX da rejeição ao mercado descontrolado e ao totalitarismo.
O sociólogo Karl Mannheim, um pensador representativo de sua época, escreveu em 1950, no livro ‘Liberdade, Poder e Planejamento Democrático’: ‘Não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão’. Mannheim dizia temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no ‘interior’ das sociedades modernas.
As transformações sociais, econômicas e políticas das últimas décadas levam ao paroxismo a afirmação das formas privadas de poder e domínio. Hoje, diz o filósofo Carlo Altini, em seu livro ‘A Fábrica da Soberania’, as forças do interesse particular operam como ‘poder indireto’. Não se trata apenas das ‘malhas do poder’ tecidas silenciosamente no interior da sociedade civil e da economia de mercado, como queria Michel Foucault, mas da instrumentalização da estrutura formal e ‘racional’ do Estado moderno pelos poderes privados. Esta é a natureza essencial da ‘privatização’ do Estado nos dias de hoje, o que inclui a insubordinação e autonomização das burocracias públicas que se colocam acima da lei. Ou seja, este modelo não é mais capaz de administrar juridicamente os conflitos entre o publico e o privado, entre política e economia. Slavo Zizek fala de sua preocupação com ‘esta revolução suave, essa imperceptível mudança nas normas sociais, nas regras não escritas sobre o que é aceitável ou não’.
O leitor atilado há de julgar se a liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário, num exercício do poder que viola os direitos reconhecidos como essenciais no relatório da comissão sobre a liberdade de imprensa.

Fonte: Vermelho