Crise atinge as domésticas

Aumento do salário mínimo, ainda que pequeno, leva à demissão de pelo menos 3 mil pessoas que executam serviços em residências. No ano, já são 11 mil vagas a menos

O novo salário mínimo, apesar do aumento de apenas R$ 20 em maio, já mostra o seu lado perverso. Após o reajuste, diminuíram de imediato as vagas no emprego doméstico na Grande Belo Horizonte, que vinha passando por período de estabilidade este ano. Entre abril e junho, 3 mil pessoas foram demitidas. No período de um ano, são 11 mil postos de trabalho a menos na atividade que sustenta 172 mil mulheres e homens na região metropolitana da capital, segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro (FJP), Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-Econômicos (Dieese) e a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social e Esportes. A correção do menor salário pago no País só veio se juntar a outros gastos mais altos, como as tarifas públicas e os combustíveis, que têm exigido esforço da população para cortar o orçamento, apertado pela queda dos rendimentos do trabalho nos últimos anos.

“A alternativa acaba sendo a diarista, porque está muito difícil pagar os custos de uma carteira de trabalho” Raquel Moura,comerciária e dona de casa

Não é por outro motivo que a omerciária Raquel Moura optou por não contratar o serviço de um empregado doméstico mensalista. “A alternativa acaba sendo a diarista, porque está muito difícil pagar os custos de uma carteira de trabalho”, justifica a dona de casa, que desembolsa R$ 60 por mês nas faxinas contratadas a cada 15 dias. Se tivesse contratado empregado mensalista teria de pagar cerca de R$ 500 entre o salário mínimo de R$ 260 e os encargos sociais: INSS, 13º salário e férias proporcionais.

A influência direta do salário mínimo no emprego doméstico é observada em outros anos, sempre associada ao período de reajuste, conforme a pesquisa do Dieese. Ao mesmo tempo, o número de diaristas tem aumentado há quatros anos, em relação às mensalistas. Em 2003, esses trabalhadores autônomos no serviço doméstico formavam um grupo de 36 mil pessoas na região metropolitana de BH, 4 mil a mais na comparação com 2002 e 6 mil acima do contingente de 2000. Enquanto isso, caíram 2,9% as vagas de mensalistas de 2002 ao ano passado, diz a socióloga Lívia Rosacruz, da FJP.

“Esta tem sido uma das primeiras despesas que as famílias cortam numa economia recessiva e em que os salários não acompanham a evolução dos preços em geral”, afirma a pesquisadora. Embora o emprego doméstico seja uma das atividades de menor remuneração, como o reajuste faz parte de um calendário do governo e do Congresso, os trabalhadores com vencimentos associados ao mínimo tiveram a menor perda na Grande BH entre 1996 e 2003.

Os rendimentos dos empregados domésticos, descontada a inflação, foram de R$ 253 por mês, em média, no ano passado, frente a R$ 254 mensais em 96, perfazendo uma diferença de 0,4%. Nesse mesmo período, os trabalhadores assalariados, com e sem carteira assinada, perderam 15,9% do valor de compra dos seus rendimentos, de R$ 723 por mês na média do ano passado. Além da administração das contas do mês, há donas de casas que preferem o empregado doméstico diarista, por permanecerem muito tempo fora de sua residência ou para preservar a intimidade da família.

Para a advogada Geralda Lopes de Oliveira, que atende patrões e empregados no Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas, o principal motivo de demissões ou da escolha por diaristas é o financeiro. “Tenho orientado muitas rescisões de contrato de empregados domésticos recentemente. Na maioria das vezes, a dona de casa precisa diminuir despesas”, diz.

SUSTENTO Se houve queda no emprego doméstico, por outro lado, este ainda é o meio de sobrevivência de 20% das mulheres que trabalham na Grande BH, segundo estudo realizado por Mário Marcos Sampaio Rodarte, economista do Dieese. “Sem dúvida, é uma parcela muito grande de mulheres nessa atividade, mas esse percentual já foi ainda maior”, diz. Em 1996, 22,1% das mulheres que estavam trabalhando na região metropolitana da capital eram domésticas e em 1999 esse exército chegava a 22,5%.

O perfil do emprego doméstico traçado pelo economista Mário Rodarte mostra, ainda, que quase a metade das mulheres na atividade vêm do interior do Estado para a Grande BH. As diaristas, em geral, têm idade superior à das mensalistas e ganham menos. O emprego doméstico está entre os segmentos considerados vulneráveis do mercado de trabalho na região metropolitana de BH, em função dos baixos rendimentos e da escolaridade do trabalhador, lembra Lívia Rosacruz, da FJP.

Princípios: Aos 39 anos, Elis Damaris Leal de Souza diz gostar do trabalho como empregada doméstica que executa em um apartamento do bairro Funcionários, na Zona Sul de Belo Horizonte. “Ganho melhor do que na fábrica de roupas onde já trabalhei e, se você estiver na casa de uma família com bons princípios, vale a pena”, afirma. Elis trabalha há um ano e sete meses e recebe dois salários mínimos por mês.

Compromisso: A maioria das demissões ocorre pela necessidade de redução de despesas da casa. Maria de Fátima Santos Costa, porém, é uma exceção: ela conheceu a diarista Eunice Rodrigues Lima em 1999 e não abre mão dos serviços dela. “Quando a pessoa trabalha todos os dias, pode se descuidar das tarefas. A diarista tem mais compromisso com o trabalho”, afirma.(Fonte: Estado de Minas)