Brasil convive com neoescravismo

Aproximadamente 40 mil pessoas são submetidas a trabalho escravo no Brasil, segundo dados apresentados pela coordenadora nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Patrícia Souto Audi. Os dados foram apresentados em audiência pública realizada na última quarta-feira, 07/12, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado.
A audiência pública foi realizada por iniciativa da senadora Ana Júlia Carepa (PT/PA), com o objetivo de debater o projeto de lei (PLS nº 46/04), do senador Cristovam Buarque (PDT/DF), que estabelece critérios para classificar uma propriedade rural como produtiva ou improdutiva.
De acordo com o projeto, não será considerada propriedade produtiva o imóvel rural em que for constatada a ocorrência de uma das seguintes situações: trabalho escravo ou análogo à escravidão, trabalho infantil, crime ambiental e culturas ilegais de plantas psicotrópicas.

Características

Patrícia Audi ressaltou que o trabalho escravo é uma atividade criminosa que ocorre não apenas no Brasil, mas em países como Paquistão, Índia, Bolívia, Paraguai e Peru. Ela observou, no entanto, que o descumprimento de alguns aspectos da legislação trabalhista não pode ser confundido com trabalho escravo.
O trabalho escravo, segundo Patrícia Audi, caracteriza-se pelo uso da coerção física e pela restrição e falta de liberdade, a qual se manifestaria por meio da servidão de dívidas contraídas no local da atividade, pela retenção de documentos, pelo isolamento geográfico das propriedades e pela presença de guarda armada para impedir a fuga dos trabalhadores.

Combate

A representante da OIT explicou que não existe diferença entre trabalho forçado e trabalho escravo. O que existe, segundo ela, é uma “banalização” dos dois conceitos para dificultar o enquadramento dos responsáveis pela prática da escravidão.
“O trabalho escravo é um tipo de trabalho forçado. A falta de registro em carteira ou de salário e a existência de condições degradantes não configuram trabalho escravo, mas sim a impossibilidade do trabalhador de romper esse vínculo e sair dessa situação”, afirmou Patrícia Audi.
A OIT, segundo Patrícia Audi, considera a atuação do Brasil no combate ao trabalho escravo como um modelo a ser seguido pelos demais países. Nesse sentido, a representante da entidade destaca o resgate de 17 mil trabalhadores nos últimos três anos pelo grupo móvel de fiscalização, além do lançamento, pelo Ministério do Trabalho, de uma “lista suja” em que figurariam 188 empresas nacionais que reconhecidamente se utilizaram de trabalho escravo nos últimos dez anos.

Causas

Na avaliação de Patrícia Audi, a causa principal para a existência de trabalho escravo no Brasil é a impunidade, embora diversos fatores contribuam para a prática, como o analfabetismo de 90% das vítimas, na maioria homens com idade entre 25 e 40 anos, que teriam como único capital a força física. O trabalho escravo no Brasil, segundo ela, está concentrado em municípios do Maranhão, Piauí e Tocantins que apresentam baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
O IDH foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir o desenvolvimento dos países a partir de critérios indicativos de educação (alfabetização e taxa de matrícula), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda (Produto Interno Bruto per capita).
Os trabalhadores mantidos em regime de trabalho escravo, segundo a representante da OIT, são aproveitados principalmente nas lavouras de algodão e soja, além de serem empregados na grilagem de terras e na devastação de matas para implantação de pastos e novas culturas.
“Não podemos restringir o fluxo dessas pessoas para as fazendas, mas garantir que a migração ocorra em bases legais, em que o trabalhador, ao ser recrutado, saiba para onde está indo trabalhar”, disse Patrícia Audi.

Campanha

Na próxima terça-feira, 13/12, às 15h30, no Palácio do Planalto, será lançada a campanha de prevenção ao trabalho escravo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará do evento.
A audiência pública também contou com a participação do chefe da Procuradoria Federal Especializada do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Valdez Farias, e do assessor técnico da Secretaria de Biodiversidades e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Luiz Carlos Balcewicz.

Fonte: Agência Diap, com informações da OIT