As eleições e a reforma trabalhista

por Altamiro Borges*

Na sucessão presidencial deste ano, o debate programático tem ficado meio de escanteio. Na sua cruzada moralista, a mídia venal pouco tem falado sobre os graves problemas brasileiros e, menos ainda, sobre as propostas dos candidatos. A baixaria tomou conta da propaganda eleitoral de rádio e televisão.
Na prática, somente a coligação “A força do povo”, composta por PT, PCdoB e PRB, apresentou a sua plataforma de governo. A mídia preferiu desancar o texto, mais por suas lacunas do que por suas propostas. Acusou-o de ser genérico, de não se comprometer com as “inadiáveis reformas previdenciária e trabalhista” e de pregar o “aumento da gastança pública”. Novamente, a mídia tenta pautar a política, substituindo os partidos.

Desenvolvimento e empregos

No que se refere à crucial questão do trabalho, a ausência de programas nítidos incomoda o sindicalismo. É como dar um cheque em branco para os presidenciáveis. O programa de Lula ainda tem um forte viés desenvolvimentista, apostando no crescimento da economia como fator indispensável para a geração de emprego e renda. Após criticar a “dupla herança negativa” – as duas décadas de estagnação e os efeitos destrutivos da política neoliberal de FHC –, ele faz um balanço positivo do primeiro mandato e apresenta algumas idéias-chaves para o futuro. De forma autocrítica, explicita que, apesar das mudanças, “caberá ao segundo mandato avançar mais aceleradamente no rumo de um novo ciclo de desenvolvimento”.
No item sobre “trabalho e emprego”, ele se compromete a “gerar mais e melhores empregos, por meio da expansão do investimento público e do estímulo ao investimento privado nos setores com maior potencial de criação de novos postos de trabalho; definir uma política de recuperação do poder de compra do salário mínimo; incrementar o crédito aos micro-empreendimentos, às cooperativas, às associações de pequenos produtores e a outras práticas de economia solidária”. De forma preocupante, o programa também fala em “dar continuidade à democratização das relações do trabalho, com a aprovação da reforma sindical e a atualização da legislação trabalhista, com a garantia dos direitos dos fundamentais dos trabalhadores”.

Comparação necessária

Comparativamente ao programa apresentado em 2002, que resultou na eleição de Lula, o de agora é mais genérico. Apesar do seu viés progressista, evita fixar metas concretas para a geração de emprego e renda ou assumir compromissos com avanços nas leis trabalhistas. O anterior explicitava a proposta de criar 10 milhões de empregos, dobrar o salário mínimo e reduzir a jornada de trabalho. O atual é mais abstrato, o que gera incertezas no sindicalismo. Exatamente por isso, as centrais têm evitado endossar acriticamente este programa e têm procurado apresentar suas propostas concretas para o segundo mandato. A CUT, por exemplo, aprovou a “plataforma democrática dos trabalhadores” com várias reivindicações específicas.
Um necessário balanço do atual governo, porém, evidencia o seu compromisso com o mundo do trabalho. Apesar de manter o tripé neoliberal – política monetária de juros altos, política fiscal de superávit recorde libertinagem financeira –, é indiscutível que ocorreram avanços nesta área. Diferente de FHC, que baniu o sindicalismo – como na ocupação militar das refinarias na greve dos petroleiros –, o governo Lula criou canais democráticos de diálogo com os trabalhadores. Além disso, arquivou duas das principais medidas de precarização do trabalho orquestradas por FHC – a que impunha a prevalência do negociado sobre o legislado e a que ampliava a contratação temporária. Ele também congelou as terceirizações nas estatais.
Se é verdade que a meta de vagas não foi atingida, também é real que, nestes três anos, o governo gerou 4,2 milhões de empregos com carteira assinada, cerca de 120 mil por mês – 13 vezes superior à média de FHC. Quanto ao salário mínimo, seu valor nominal cresceu 75% – de R$ 200 para R$ 350. No início de 2003, ele comprava 1,3 cestas básicas; em maio de 2006, já equivalia a 2,3 cestas básicas. Junto com os programas sociais, estes tímidos avanços reduziram a miséria no país. Segundo o IBGE, a indigência caiu de 27,3%, em 2003, para 25,8%, em 2004 – ou seja, 3,2 milhões de brasileiros deixaram a condição de extrema pobreza. Nisto reside a força eleitoral de Lula, que a mídia, as elites e os sectários não entendem!

Divisões na “frente de esquerda”

Tão corrosiva com relação ao programa do presidente Lula, a mídia venal quase falou sobre a ausência ou completa carência de propostas dos outros candidatos. No caso da senadora Heloisa Helena, as profundas divisões internas inviabilizaram a prometida divulgação do programa da coligação “Frente de Esquerdas” em 7 de setembro. A própria presidenciável já desdenhou da necessidade da plataforma. O vice de HH, o economista César Benjamin, até redigiu um “pré-programa”, intitulado “para governar e mudar o Brasil”. O texto, porém, foi bombardeado publicamente por correntes do PSOL e, principalmente, pelo PSTU. Na última edição do seu jornal, Opinião Socialista, o partido escancara as abissais divergências na coligação.
Após informar que o “manifesto da frente”, base programática desta aliança, “exige mudanças estruturais no capitalismo” e a “ruptura com a dominação imperialista”, o texto afirma que “Heloísa Helena não tem defendido essas propostas, nem em seus programas de TV, nem em suas entrevistas. Ao contrário, aponta essencialmente para a redução das taxas de juros, sem nenhum projeto de ruptura com o imperialismo… Benjamin apresentou uma proposta de programa que é, na verdade, a base programática das posições de Heloísa… Trata-se de um erro grave”. Para o PSTU e para outras correntes esquerdistas no interior do PSOL, o “pré-programa” pregaria uma via desenvolvimentista no Brasil, uma grave traição reformista.
Já no que se refere ao mundo do trabalho, as divisões também são gritantes. “Benjamin defende propostas insustentáveis em qualquer fórum do movimento, como a duplicação do salário mínimo em sete anos. O manifesto da Frente de Esquerda defende a duplicação imediata do salário mínimo, o que deveria ser uma das primeiras medidas de um governo de Heloísa”, explicita o jornal do PSTU. Quanto aos demais temas trabalhistas, a coligação propõem a redução imediata da jornada de trabalho e outras medidas contrárias à precarização. Já na questão sindical, algumas correntes pregam a ratificação da Convenção 87 da OIT, que abre brechas para o plurisindicalismo, e outras são mais cautelosas diante desta questão inflamável.

Alckmin e a regressão trabalhista

Mas o que deve gerar maior temor dos sindicalistas é o programa de Geraldo Alckmin – até porque HH tem desidratado na disputa e o candidato da direita é o único que ameaça a reeleição de Lula. A oposição liberal-conservadora protelou ao máximo a apresentação da sua plataforma. Alckmin chegou a faltar num encontro da Força Sindical, que reuniu 1.800 ativistas no final de agosto, talvez com medo de sofrer um aperto até destes dóceis sindicalistas. Após esconder as suas idéias, temendo o rechaço dos trabalhadores, ele finalmente apresentou o seu programa nesta semana. O texto espelha bem o candidato: é totalmente insosso e imprestável. Não apresenta nada de novo, nem formula propostas concretas; é pura banalidade.
A ausência de um programa nítido não inocenta Alckmin. A sua trajetória como governador de São Paulo foi marcada pela truculência diante das lutas sociais e o desrespeito aos direitos trabalhistas. Os servidores públicos amargaram demissões, arrocho salarial e precarização do trabalho; os sindicatos foram excluídos da negociação coletiva. Agora, como candidato, cercou-se de consultores que aterrorizam o sindicalismo. Segundo reportagem da revista Exame, intitulada “Quem faz a cabeça de Alckmin”, o seu mentor na área trabalhista e sindical é o sociólogo José Pastore, “nome ligado ao PFL” e ícone da regressão do trabalho. Vale a pena conhecer algumas idéias deste neoliberal cotado para ser ministro do Trabalho de Alckmin.

Idéias nefastas de Pastore

1- Defesa da terceirização:

“Na contramão do que ocorre no mundo, o governo Lula apresenta enorme resistência à modernização das leis que tratam do trabalho terceirizado… Na prática, o assunto é regido pelo Enunciado 331 do TST que limita a terceirização às atividades-meio. Isso não tem mais sentido. O que interessa é uma boa terceirização, seja onde for, mesmo porque, nos modernos sistemas de produção, é quase impossível determinar com precisão o que é meio e o que é fim (O Estado de S.Paulo, 22/08/2006)”.

2- CLT no meio rural:

“As dificuldades criadas pela CLT no meio rural têm sido objeto de várias análises… Tenho insistido que um dos principais determinantes do trabalho informal no Brasil é o fato de o país possuir uma legislação única e onerosa para realidades diferentes… Para a agropecuária, a CLT é especialmente perversa ao tratar apenas do ‘vínculo empregatício de natureza contínua’… Aplicada ao campo, a CLT é irrealista… O anacronismo dessa legislação já devia ter sido superado (O Estado de S.Paulo, 25/07/2006)”.

3- Flexibilização dos contratos de trabalho:

“Na Alemanha, muitos contratos de trabalho vêm sendo reformulados, alongando a jornada de trabalho sem aumento de salário, transformando as parcelas fixas em bônus variáveis, criando novos turnos e intensificando o trabalho aos sábados e domingos. O que isso tem a ver com o Brasil?… Além de maiores dificuldades de contratação do trabalho, o Brasil tributa as empresas de modo muito mais forte do que o leste europeu. As reformas trabalhista e tributária precisam ser feitas o mais rápido possível para manter as empresas competindo e os brasileiros trabalhando (O Estado de S.Paulo, 12/07/2006)”.

4- Extinção do Bolsa Família:

“O atrelamento à bolsa família, cesta básica e outros quitais virou uma estratégia fundamental para quem deseja ganhar as eleições hoje e contar com o mesmo eleitor-dependente nas próximas campanhas. Resta saber quem vai pagar essa conta, e por quanto tempo. Quem viver, verá (Jornal da Tarde, 05/07/2006)”.

5- Prevalência do negociado sobre o legislado:

“A negociação no Brasil foi reduzida a apenas dois direitos – salário e participação nos lucros. Fora isso, nada pode ser negociado. Mesmo quando as partes desejam e quando o ajuste é impositivo, a camisa de força da Constituição as impede de negociar e de fazer as adequações necessárias. Está tudo amarrado na lei… Já defendi ardorosamente uma profunda mudança no artigo 7º da Constituição, [mas] passei a propor uma pequena mudança no mesmo artigo, mantendo-se os atuais direitos atuais, acrescentando, apenas, duas palavrinhas… ‘salvo negociação’ (Fórum de Relações do Trabalho, 08/06/2006)”.

6- Contra-reforma da Previdência:

“No Brasil, além do fator previdenciário, há que se elevar a idade para se aposentar… As pessoas vivem mais e precisam trabalhar mais tempo… O Brasil terá de enfrentar, já no início do próximo governo, novas mudanças no sistema previdenciário”.

7- Entraves da reforma sindical:

“Há inúmeros pontos controvertidos [na reforma sindical proposta pelo Fórum Nacional do Trabalho]. Um dos mais sérios diz respeito à ‘substituição processual’ – dispositivo que dá às entidades sindicais o direito de acionar as empresas em nome de seus representados sem a sua autorização ou até mesmo contra a sua vontade. Isso constitui uma poderosa arma legal que, se mal usada, pode desequilibrar as relações do trabalho… Outro ponto polêmico se refere à imposição por lei, de uma comissão de empregados eleita pelos sindicatos para atuar nos locais de trabalho (O Estado de S.Paulo, 08/03/2005)”.

8- O papel conciliador do sindicalismo:

“Com a reforma sindical que ora se desenha, nota-se claramente a busca de uma legislação que fortaleça a cúpula (centrais) e a base (representação no local de trabalho) para garantir o êxito da atividade sindical… Todas essas estratégias são baseadas na filosofia da confrontação. Mas o mundo está indo para um outro lado. De uma maneira crescente, trabalhadores e empresas estão sendo chamados a cooperar e não a se confrontar, porque ficou impossível vencer a guerra externa (da concorrência) sem terminar com a guerra interna – do conflito entre empregados e empregadores (Revista da CNI, abril de 2005)?”.

9- Custeio do sistema sindical:

“Não estou propondo copiar nada nem voltar às práticas do autoritarismo, [mas] há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobra transparência crescente e responsabilidade constante de todas as organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso (O Estado de S.Paulo, 01/07/2003)”. “A atual sistema sindical se baseia em uma contribuição compulsória – um verdadeiro imposto sindical – que dá origem à proliferação de sindicatos sem representatividade, pois, para garantir receita, eles não dependem de prestar bons serviços aos seus representados (O Estado de São Paulo, 06/05/2003)”.

10- Defesa do pluralismo sindical:

“O que se defende para o Brasil é o sistema de pluralidade sindical. Esse sistema, porém, tem certos pré-requisitos para funcionar. Um deles é que seja capaz de disciplinar a negociação. Cada parte precisa saber claramente qual é a regra que define sua contraparte na negociação… A liberdade de criar sindicatos pode se chocar com a disciplina exigida pelas empresas e trabalhadores na negociação. Isso não impede nem deve afastar a mudança da atual organização sindical (O Estado de S. Paulo, 06/05/2003)”

*Altamiro Borges, (Miro) é jornalista