Por trás de aparência “técnica”, bancada parlamentar das gigantes da tecnologia carrega interesses econômicos e políticos

No início da semana passada, o governo não conseguiu colocar em votação o projeto de lei que pretende combater a disseminação de notícias falsas, o PL 2630, conhecido como “PL das Fake News”. Um dos grupos que atuou contra a aprovação das novas regras para a moderação de conteúdo nas plataformas digitais foi a “bancada das big techs”, que reúne deputados e deputadas alinhados com as pautas das grandes empresas de tecnologia. Por trás de uma aparência de pura técnica, há um longo fio de interesses políticos e financeiros.

A bancada das big techs está formalizada na Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital. A Frente tem como presidente o deputado Lafayette de Andrada, que passou boa parte de sua vida política no PSDB e hoje está no Republicanos, por Minas Gerais. Ele apoiou Jair Bolsonaro (PL) nas últimas eleições, chegando a ser cotado para ocupar ministérios. Lafayette votou a favor de medidas como a privatização dos Correios e a reforma administrativa (PEC 32/2020). Agora, votou contra a PEC da Transição que garantiu recursos, por exemplo, para o Bolsa Família.

Outros cerca de 20 parlamentares que compõem a Frente, com deputados e deputadas do Partido Novo, do PL, do União Brasil, entre outros. Todos os líderes da Frente são apoiadores de Bolsonaro: o vice-presidente para a Câmara, deputado Zé Vitor (PL/MG); o vice-presidente para o Congresso, deputado Mendonça Filho (UB/PE); o vice-presidente para o Senado, senador Laércio Oliveira (PP/SE); e o secretário-geral, deputado Evair de Melo (PP/ES), que chegou a ser vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Quem assessora?

A Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital é assessorada pelo Instituto Cidadania Digital, uma “think tank”, tipo de organização que trabalha com lobby, fazendo pressão nos parlamentos e subsidiando com informações e argumentos parlamentares que se mostram favoráveis às intenções de seus financiadores.

O Instituto Cidadania Digital foi criado em 2019 e tem como objetivos, conforme seu site, “garantir visibilidade e promover o alinhamento da Frente Digital às pautas do ecossistema digital”, “motivar os parlamentares na defesa da agenda em favor de um Brasil mais digital” e “reunir os parlamentares em uma bancada digital para facilitar a articulação dos parlamentares no suporte recíproco de seus projetos e apontar espaços estratégicos em comissões e ambientes de discussão”.

O atual diretor executivo do Instituto é Felipe Melo França, fundador do Movimento Livres e que atuou como assessor legislativo dos deputados Luciano Bivar (UB/PE) e Vinicius Poit (Novo/SP). O Movimento Livres, fundado por França, é um grupo ultraliberal que defende privatizações e esvaziamento do Estado. Nas últimas eleições, o Livres apoiou diversos candidatos alinhados com suas ideias, entre os quais três do Rio Grande do Sul, todos eles do Partido Novo.

Quem paga?

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, deputado Lafayette de Andrada, disse que a bancada não é “representante das big techs”: “As big techs ajudam a financiar o instituto que dá suporte para a frente. Mas não são só elas, todas as plataformas, em todos os níveis, participam desse financiamento, não apenas as empresas responsáveis pelas redes sociais”, disse.

Seguindo os caminhos informados pelo próprio Instituto, chega-se aos seus financiadores. O site oficial informa três “mantenedores”: a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, a Asociasión Latinoamericana de Internet e a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Indo aos sites dessas três organizações, encontramos suas respectivas listas de associados.

No caso da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, são oito: Amazon, iFood, FlixBus, Uber, Zé Delivery, Buser, 99 e Lalamove. A Asociasión Latinoamericana de Internet possui onze membros associados: Airbnb, Amazon, Despegar, Expedia, Google, Hotmart, Kwai, Mercado Livre, Meta, Nippy, Rappi, TikTok, Twitter e Zoom. Por fim, a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico lista 71 associados, entre os quais estão Amazon, 99, Americanas, Carrefour, Dell, Facebook, Google, iFood, Shein, TikTok, Twitter, Uber, Uol, entre outros.

O que se vê nas fontes de financiamento é uma participação incisiva das gigantes de tecnologia. Amazon, Facebook (Meta) e Google, que estão entre as cinco maiores empresas de tecnologia do mundo, figuram diretamente como associados das organizações que financiam a assessoria da Frente Parlamentar. Acompanhadas de empresas como Uber, TikTok, Twitter e 99.

Trabalho precário

Algumas dessas empresas têm se comportado como bastiões em defesa da precarização do trabalho e contra direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Não à toa, a Uber, por exemplo, tem seu nome diretamente associado ao trabalho precário e à desregulamentação de direitos. Em todos os países onde atua, a Uber trabalha junto a parlamentares para manter os trabalhadores que lhe rendem lucros sem qualquer vínculo empregatício, com baixa remuneração e jornadas exaustivas. A Amazon, por sua vez, é reiteradas vezes denunciada pelas condições de trabalho de seus empregados e empregadas, enquanto atua politicamente para seguir operando dessas formas – nos Estados Unidos, por exemplo, vem impedindo a sindicalização de seus trabalhadores a partir das mais diversas formas de pressão, inclusive do estabelecimento de relações com parlamentares.

Fonte: Sintrajufe/RS