20 mil trabalhadores rurais podem ser despejados no Pará; caso pode parar nas Nações Unidas

Apesar de o governo federal ter se proposto, logo após o assassinato da irmã Dorothy Stang em fevereiro deste ano, a acelerar o processo de reforma agrária no Estado do Pará para minimizar os conflitos agrários e a violência, iniciou-se na semana passada uma ação coordenada da Justiça para execução de cerca de 48 liminares de reintegração de posse em áreas ocupadas por trabalhadores rurais. Os despejos atingirão, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), cerca de 20 mil pessoas no Sul e Sudeste do Estado.
Em nota divulgada nesta quarta (8), movimentos sociais como o MST, a CPT, os movimentos de Atingidos por Barragens (MAB), de Pequenos Agricultores (MPA) e de Mulheres Agricultoras (MMA) denunciaram um acerto político entre fazendeiros e o juiz de Marabá, Líbio Araújo Moura, para o desalojamento de 48 acampamentos da região, “onde 10 mil famílias vivem, trabalham e produzem seus alimentos. Com a profunda truculência costumeira, prometem arrancar as lavouras e os Sem Terra de suas ocupações e colocar novamente os antigos latifundiários improdutivos, conforme havia mandado a Vara Agrária”.
Segundo a ONG de direitos humanos Justiça Global, em 40% das fazendas com liminares concedidas as famílias já estão ocupando a terra há mais de quatro anos, com casas construídas, produção de arroz, feijão, milho, mandioca, banana e criação de pequenos animais como porco e galinha. Em todos esses imóveis há escolas funcionando, atendendo crianças e jovens.
A operação, que cumpre liminares de até dez anos desde a sua expedição e conta com a participação de cerca de 40 juízes, foi iniciada em Conceição do Araguaia, já atuou em Parauapebas e Curionópolis, e deve ser concluída em 60 dias pelo Grupo de Operações Especiais, o Pelotão de Choque e o Grupo Tático, com o apoio de uma equipe da Delegacia de Conflitos Agrários da Polícia Civil.
Uma tentativa de ação similar à presente havia sido feita no final de 2004, mas acabou abortada com ajuda da intervenção da Ouvidoria Agrária Nacional. Segundo o advogado e coordenador nacional da CPT, José Batista Afonso, no entanto, o “mutirão de despejos” desta vez se deu através da barganha política entre fazendeiros e o governo do Estado, Simão Jatene (PSDB), que busca apoio à sua reeleição no pleito de 2006.
Em resposta às ações de despejo, agricultores ligados ao MST ocuparam, no decorrer dos últimos dias, as rodovias PA-160, Transamazônica e BR-222, o que, por sua vez, gerou protestos de fazendeiros. “A situação na região está extremamente tensa, e não sei porque, até agora, não tivemos noticias da Ouvidoria Agrária. Tememos que possam ocorrer confrontos entre agricultores e fazendeiros, e parece que estamos sós”, cobra Afonso.
Segundo informações do MST, mil famílias já foram despejadas desde sábado (4) nos municípios de Conceição do Araguaia e Parauapebas, onde um trabalho rural teria sido baleado.

Justiça estadual atropela Incra

Segundo o advogado da CPT, as ações de despejo da Justiça, além de criar um grave conflito social, têm problemas de ordem técnica. “Algumas das liminares são muito antigas. Uma acabou despejando famílias que moravam ha sete anos na área, tinham até escola. Foram obrigadas a deixar tudo, casas, criação, plantações, com o cano da pistola da PM na nuca. Os despejos atingiram áreas vistoriadas e regularizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Estão despejando assentados de projetos do Incra”, afirma Afonso.
De acordo com a superintendente do órgão em Marabá, Bernadette Ten Caten, realmente 11 das mais de 40 propriedades listadas no “mutirão do despejo” foram legalmente destinadas a projetos de reforma agrária ou estão em fase final de desapropriação pelo Incra. “Estas áreas já são ou estão em fase de criação de assentamentos. Temos clareza do desespero dos movimentos sociais, e estamos fazendo tudo que está ao alcance de nossas mãos”, afirma Bernadette.
Segundo ela, a ação realmente vem no bojo de uma decisão política do governador Jatene, que, até esta quarta (8), não se reuniu com o Incra para discutir a situação de várias propriedades, apesar da promessa de avaliar caso a caso. O problema principal, no entanto, seria a relação com a Justiça.
“As fazendas Boa Vista e Boa sorte, em Parauapebas, por exemplo, estão em áreas da União já avaliada pelo Incra há dois anos. O órgão permitiu a permanência do posseiro em 2,2 mil hectares, transformando os demais 3 mil hectares em assentamento da reforma agrária. Mas o juiz local cancelou a portaria do Incra, retornando a posse da área ao fazendeiro. Em seu parecer, o juiz afirmou que o Incra estava trabalhando em área particular”, desabafa a superintendente.
No final da manhã desta quarta, a equipe do Incra recebeu a confirmação de uma audiência com o governador, a ser realizada nesta quinta (9), data em que a CPT e as ONGs Justiça Global, Terra de Direitos e a Plataforma Dhesc Brasil estão enviando uma denúncia ao representante do Secretário-Geral da ONU para Deslocamentos Internos de Pessoas, Walter Kälin, sobre a eminência de despejos de 4.732 famílias. A assessoria da Ouvidoria Agrária Nacional também confirmou que o ouvidor agrário Gercino José da Silva se deslocou para o Pará no final da tarde de quarta-feira.

Fonte: Agência Carta Maior