Salário mínimo é reflexo das desigualdades do País

Tema de destaque nas celebrações sindicais do 1º de Maio, a luta pela recuperação do salário mínimo, que nesta semana passa a valer R$ 300, ganhará força dentro do governo federal. O presidente Lula topou a instalação de uma comissão quadripartite, com representantes do governo, dos trabalhadores ativos, dos aposentados e do patronato, com o objetivo de discutir e elaborar propostas sobre o tema.
Semana passada, acadêmicos, sindicalistas e membros do Ministério do Trabalho reuniram-se em um seminário na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para estabelecer uma das trincheiras dessa batalha. Uma das principais preocupações é resistir a setores do governo que vêem as políticas de seguridade social, a qual está vinculado o mínimo, como um peso para as contas públicas.
Até agora, é fácil saber quem está vencendo o debate interno. Apesar de o presidente Lula ter prometido dobrar o valor do mínimo na campanha eleitoral de 2002, dois anos e cinco meses de sua gestão não foram suficientes para tirar o mínimo do buraco. Em 2003, o reajuste real (além da inflação) foi de apenas 1,5%. Em 2004, de 2,3%. E em 2005, de 8,4%. Longe, portanto, dos 100% prometidos.
A novidade é que pelo menos agora o debate sobre o mínimo não está mais interditado. A comissão quadripartite deve tornar públicas as divergências dentro do governo que até agora ficavam restritas aos bastidores.
Segundo economistas que participaram do seminário em Campinas, como Marcio Pochmann, ex-secretário do Trabalho na gestão Marta Suplicy, em São Paulo, e Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma das tarefas será desfazer junto à opinião alguns mitos criados nos últimos anos pelo “discurso neoliberal”. Entre eles, a visão de que a Previdência Social é um peso para as finanças públicas e de que esse dinheiro não chega aos mais pobres.
Para Pochmann, a queda de poder aquisitivo do mínimo tem relação com o aumento da desigualdade de renda no país. Conforme seus dados, entre 1986 e 1993 a diferença entre o rendimento dos mais ricos e dos mais pobres no Brasil saltou de 146% para 226%. Neste mesmo período, o mínimo perdeu 36% de seu valor. O índice de Gini, que mede a desigualdade, subiu 3%.
Essa foi uma das heranças da ditadura militar, na visão de Pochmann. “A partir de 64, o salário mínimo foi vinculado ao combate à inflação, uma vez que ele poderia ajudar a conter o consumo. A idéia de que ele deveria ser o suficiente para se viver perdeu espaço. Desde então, o salário mínimo passa a ser fixado pelo impacto que ele causa na inflação e pelo impacto nas finanças públicas”, diz o economista, que também dá aulas na Unicamp.
Para Guilherme Delgado, do Ipea, outro mito é que os gastos da Previdência, cujos benefícios são vinculados ao mínimo, não beneficiam os mais pobres do país. “Os conservadores gostam de meias verdades”, diz ele. Conforme seus cálculos a partir do Censo de 2001, a renda dos brasileiros tinha em média 10% de seu valor vinculado à seguridade, saltando para 22% dez anos depois. Ou seja, a seguridade passou a ter mais importância na renda das pessoas.
“Se não houvesse a seguridade, em 2003, conforme dados da PNAD, mais 15 a 17 milhões de pessoas estariam na faixa de extrema pobreza. A previdência é uma política fundamental se estiver associada a uma política de Estado que afete as estruturas da desigualdade”, diz Delgado. São extremamente pobres aqueles que vivem com até um quarto do salário mínimo por mês.

Em 2003, 22 milhões de trabalhadores ocupados ganhavam até um salário mínimo, segundo os dados da última PNAD, o que corresponde a 31,9% dos 69 milhões de ocupados. Quando se considera a faixa dos ocupados que ganha até dois salários mínimos, essa participação chega a 61,7%, o que representa 42,6 milhões de pessoas. A maior participação dos trabalhadores que ganham até um salário mínimo está no Nordeste, onde estão 58% do total, ou 9,9 milhões de ocupados.
Outro mito que o economista do Ipea pretende derrubar é a idéia de que os gastos com a Previdência são explosivos. Segundo ele, o estoque de benefício cresceu 4,6% ao ano na década de 90, mas à custa de aumento de tributação. “Mas uma coisa que não podemos negar é que chegamos ao teto dessa estratégia e se não houver expansão da economia não haverá expansão do financiamento da seguridade”, admite.

Propostas

O economista Cláudio Dedecca, da Unicamp, fez um levantamento de como funcionam as políticas do salário mínimo em diversos países do mundo. A primeira constatação é a de que normalmente é grande a participação do Estado na regulação dessas políticas. “Nos países desenvolvidos, a tendência é que ela esteja apoiada em um conselho, com outros atores participando de sua elaboração, e não apenas o governo, como acontece no Brasil”, diz ele.
Além disso, Dedecca constatou uma tendência não só de vincular os reajustes ao aumento do custo de vida, mas também ao crescimento do produto e da produtividade. “Espanha e Coréia fazem isso e são casos de sucesso na melhoria de suas estruturas de renda. É preciso uma política que independa do burocrata de plantão e do governo de plantão”, diz ele.
Esse será um dos principais pontos de partida dos debates na comissão quadripartite. A lei orçamentária para 2006 já prevê que o mínimo daquele ano seja reajustado pela inflação mais o aumento do PIB/per capita. “Já é uma mudança de procedimento”, diz Sandra Brandão, assessora especial do Ministério do Trabalho, que também participou do seminário em Campinas. Ela acredita que esse será o piso do reajuste em 2006 e caberá à comissão quadripartite conquistar algo acima disso.
Mas Luiz Marinho, presidente da CUT, alerta: “Precisamos ter cuidado com os discursos fáceis. O salário mínimo deve ser um indicador de distribuição de renda. O problema de trabalhar só com INPC mais PIB/per capita é que isso não reduz o fosso da desigualdade”.

Valor constitucional

R$ 1.538,64. Esse deveria ser o valor do salário mínimo para suprir as necessidades de um trabalhador e sua família com alimentação, moradia, transportes, educação, vestuário, higiene, saúde, lazer e previdência. O número, divulgado nesta segunda (2) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese) equivale a 5,9 vezes o valor do mínimo vigente em abril, de R$ 260. Em maio, o mínimo passa a valer R$ 300. Em tempo: o Dieese está escalado para assessorar a bancada dos trabalhadores na comissão quadripartite.

Fonte: Agência Carta Maior