Qualificação e remuneração

Por: José Pastore*

 

Com o aquecimento da economia global, nota-se um aumento de salários de pessoal qualificado em quase todas as regiões do mundo.
 
Entre 2006 e 2007, os salários do pessoal qualificado subiram 8% na China e 6% na Índia, descontada a inflação (“Salary growth”, The Economist, 31/3/07).
 
Os salários nos países mais avançados também subiram, mas de forma moderada. Esse é o caso do Japão (2%), Inglaterra (1,8%), França e Itália (1,7%) e Alemanha (1,5%).
 
Teria chegado então a esperada convergência salarial entre os países emergentes e os avançados? Os bens e serviços dos primeiros ficarão mais caros? É o fim do “dumping social”?
 
As vantagens comparativas dos emergentes não decorrem apenas de salários e sim de tributação, juros e subsídios favoráveis. Antes de se concluir pela chegada da convergência convém lembrar que a base sobre a qual os aumentos incidem é muito baixa. O salário médio na indústria da China é cerca de US$ 0,64 por hora, em média.
 
Para o pessoal qualificado é de aproximadamente US$ 1,50. Na Índia dá-se o mesmo. Um contador que processa milhares de declarações de imposto de renda de americanos por meio da Internet, ganha cerca de US$ 400 mensais.
 
Esses salários estão muito longe dos praticados nos países ricos. No Japão, o salário médio na indústria é de cerca de US$ 18,00 por hora; nos Estados Unidos, US$ 21,00 e na Alemanha, US$ 30,00. No caso de profissionais especializados, esses salários são ainda mais altos. Nos Estados Unidos, o contador da Índia ganharia cerca de US$ 3.000 mensais. São diferenças enormes que, mesmo com os aumentos registrados, levarão muito tempo para convergirem.
 
No Leste Europeu, em especial, na Polônia, Hungria, Bulgária e Romênia os salários de 2007 também subiram. No setor da construção da Bulgária, por exemplo, a elevação foi de 20% (“Eastern Europe hit by shortage of workers”, Financial Times, 5/6/2007). Mas, lá também, a base é muito baixa. O salário médio na indústria da Polônia, Estônia e Eslováquia é de aproximadamente US$ 3,80 por hora. Na Lituânia é de US$ 3,00.
 
Em outras palavras, serão necessários muitos anos para se chegar à esperada convergência salarial. A China acaba de fazer uma pseudo-reforma trabalhista que pode, eventualmente, elevar o custo do trabalho. Digamos que ele dobre, passando de US$ 0,64 para US$ 1,30. Isso continua muito longe da situação do Japão, América do Norte e União Européia.
 
O Brasil também apresentou um expressivo crescimento dos salários no primeiro semestre de 2007. Neste caso, o aumento decorreu de uma combinação perversa da falta de mão-de-obra qualificada com a valorização do real.
 
O rendimento médio mensal em fevereiro de 2007 foi de R$ 1.096 – cerca de 6,6% superior ao verificado no mesmo período de 2006 (IBGE, “Pesquisa Mensal de Emprego”, março de 2007). Transformado em dólar, o salário médio foi de US$ 523. Levando-se em conta o comportamento da taxa de cambio, o aumento em dólares entre 2006 e 2007 foi de 10,7%. No caso do pessoal especializado, a média salarial na indústria é de R$ 2.020 mensais, ou seja, US$ 1.000 o que dá cerca de US$ 4,83 por hora.
 
Isso mostra que o custo do trabalho do Brasil está bem abaixo dos países desenvolvidos e bem acima dos países emergentes. É exatamente com eles que se dá a competição feroz nos setores de calçados, tecidos, confecções e mobiliário, onde o Brasil perde espaço no comércio internacional.
 
O salário médio de US$ 0,64 por hora da China está muito longe dos US$ 4,83 praticados no Brasil. Há casos ainda mais graves. O Vietnã tem um salário médio industrial de US$ 0,28 por hora! Com isso, aquele país está atraindo investidores e entrando no comercio internacional de forma acelerada, em especial, em confecções, sapatos e tênis.
Não há porque propor uma redução do salário nominal no Brasil. Para o nosso custo de vida, a média dos salários é baixa. Assim sendo, convém pensar em preservar o salário (e até aumentá-lo) e reduzir as despesas de contratação que chegam a 103%.
 
Um Simples Trabalhista poderia ajudar muito nesse campo, em especial as empresas de pequeno porte que mais sofrem nos setores de confecções, calçados e mobiliário. Seria melhor do que o sistema de subsídios recém adotado pelo governo federal.
 
*Sociólogo, especialista em relações do trabalho e desenvolvimento institucional, professor (aposentado) da Faculdade de Economia e Administração e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, ambas da Universidade de São Paulo. É membro efetivo da Academia Paulista de Letras.