Para Diap, Constituição feita em 2003 seria mais conservadora

Por Marcela Cornelli

“Se fosse elaborada pelos parlamentares da legislatura atual do Congresso, a Constituição seria mais conservadora que a de 1988, cuja promulgação completou 15 anos neste mês.” Quem faz a suposição é Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) que coordenou a pesquisa da recém-lançada décima edição de Os “Cabeças” do Congresso. Por meio de análises do perfil e, principalmente, da atuação de cada um, o Diap destaca, ano a ano, os cem congressistas mais influentes do Parlamento.
Analista político experimentado no acompanhamento do Congresso, Queiroz sustenta sua tese ancorado por uma série de fatores. “Na Assembléia Constituinte, a ditadura militar foi responsabilizada pelos problemas do país. O clima geral que dominava os debates era o da garantia de direitos. Isso permitiu que movimentos populares, sindicais e de minorias ganhassem espaço”, argumenta.

Outras duas importantes questões conjunturais ajudam a compor a análise do diretor do Diap. Durante fevereiro de 1987 e outubro de 1998, período da Assembléia Nacional Constituinte, o presidente Sarney esteve sob pressão por causa das possibilidades tanto da mudança de regime (presidencialista ou parlamentarista) quanto da duração de seu mandato. No plano internacional, adiciona Queiroz, os Estados Unidos ainda não tinham definido uma agenda clara para a sua atuação com relação ao Brasil. “Tanto isso procede que o Consenso de Washington, surgido um ano e um mês depois da promulgação da Constituição brasileira, foi uma espécie de resposta dos EUA”.

Ao contexto em que foi elaborada a Carta “Cidadã”, como foi chamada pelo então presidente da Assembléia, Ulysses Guimarães, o analista político do Diap soma a própria configuração do Parlamento. “O PMDB, com toda sua histórica luta pela democracia, liderou amplamente o processo. Além do papel fundamental de Ulysses, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elaborou um regimento bastante aberto, que favoreceu a interferência dos representantes da sociedade civil. Mas o Mário Covas foi quem exerceu uma postura extremamente decisiva e progressista no andamento dos trabalhos”, relembra.

“Hoje, apesar do crescimento do número de deputados e senadores do campo ideológico da esquerda, não existe um partido com tanto poder em mãos como o PMDB da época (mais de 50% da bancada de deputados federais e a grande maioria dos governadores). Depois de uma década de neoliberalismo, a nossa realidade econômica de dependência é muito mais dramática. A necessidade de confiabilidade faz o núcleo decisório do governo ouvir mais a equipe econômica. E a tendência natural é que o Parlamento não só chancele como aprofunde as decisões do Poder Executivo”, compara Queiroz. “Dificilmente os monopólios das empresas estatais seriam aprovados com esse Congresso. Assim como a garantia de vários dos direitos trabalhistas”.

Questão de realismo e de conceito
Luciano Dias, cientista político do Ibep (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos), não concorda com a tese de que uma Carta Magna elaborada pelos atuais parlamentares acabaria guinada para o conservadorismo. “A Constituição de hoje seria, com certeza, mais realista e menos utópica. A (Constituição) de 88 foi elaborada com o olhar no passado, sob a influência de uma concepção idílica do mundo e da economia mundial. Prevaleceu a visão estatista da economia, o welfare state exagerado traduzido em uma legislação bastante generosa”.

O conceito do que se considera propriamente “conservador” é o ponto de partida para as considerações do professor do Departamento de Ciências Políticas da UnB (Universidade de Brasília) David Fleischer. “Para mim, algo é conservador quando mantém muitas coisas e muda pouco. A tendência do Congresso, se houvesse uma Assembléia Constituinte nos dias de hoje, seria de grandes mudanças com relação ao texto em vigor. Por isso, não acredito que a Constituição seria mais conservadora”.

Para Fleischer, um dos estudiosos da matéria na área acadêmica, provavelmente muitos artigos seriam excluídos em uma nova Constituição. “Ela seria mais enxuta, mais moderna. Enfiou-se de tudo dentro da Carta de 88, e muitas coisas ficaram para ser posteriormente regulamentadas. Há muitas letras mortas. Não diria que a Carta é inútil, mas é impraticável.”

Fonte: Agência Carta Maior