Número de favelados no mundo pode triplicar em 45 anos

Menos de uma semana depois de um estudo solicitado pela Organização das Nações Unidas (ONU) ter alertado sobre o risco de um colapso ambiental em escala global ainda neste século, uma nova advertência preocupante foi feita esta semana, em Nairóbi (Quênia), desta vez sobre o agravamento da situação habitacional no planeta. Segundo Anna Tibaijuka, diretora-executiva do Habitat, programa de habitação da ONU, o número de favelados no mundo pode triplicar nos próximos 45 anos, chegando à casa de três bilhões de pessoas, caso não haja um significativo aumento dos investimentos públicos nesta área. Ela apontou a migração de áreas rurais para a periferia dos centros urbanos como o principal fator responsável pela exacerbação do crescimento populacional nestas áreas, que acabam se transformando em aglomerados humanos sem condições mínimas de infra-estrutura.
De acordo com o programa das Metas do Milênio, 100 milhões de favelados deveriam ter suas condições de vida melhoradas até 2020. Para Tibaijuka, essa meta, cujo cumprimento já é cercado de ceticismo, é insuficiente para reverter a tendência de crescimento de grandes áreas de sub-habitações. Não é suficiente, garantiu a diretora da ONU, melhorar a vida de apenas 5 milhões de favelados por ano até 2020, mas sim de 30 milhões por ano, caso se pretenda, de fato, reverter o quadro de mergulho do mundo em um quadro de pobreza e de crescimento da violência urbana. A reunião do Conselho de Administração do programa Habitat apresentou novos números sobre a situação habitacional nos grandes centros urbanos. O número de favelados aumentou em 50 milhões desde 2003, número equivalente a uma favela duas vezes maior do que a região metropolitana de Tóquio. Esse crescimento, além de aumentar o quadro de violência urbana, favorece a disseminação da Aids, especialmente entre mulheres e crianças.

Números sobre a habitação no Brasil

Alguns números sobre a situação habitacional no Brasil apontam o tamanho do problema. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 34,2% dos municípios brasileiros não têm acesso à água potável, 17 milhões de pessoas vivem em domicílios superlotados e 35 milhões em residências sem tratamento de esgoto. Além disso, apenas 30% da população tem condições financeiras de procurar imóveis no mercado imobiliário privado. Para tentar melhorar esses números, o governo federal tem como meta, em 2005, investir 60% dos recursos destinados à habitação em subsídios para famílias que ganham até cinco salários mínimos. Segundo levantamento do Ministério das Cidades, essas famílias representam 92% do déficit habitacional do país, que hoje está na casa de 7,2 milhões de moradias.
Segundo a secretária-executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato, o governo federal que reduzir esse déficit priorizando o atendimento de famílias de baixa renda. Em 2002, informou Maricato durante o 3° Simpósio Internacional sobre Pesquisa Urbana, realizado em Brasília, 70% das verbas do governo destinadas ao subsídio habitacional atendiam famílias que ganhavam acima de 5 salários mínimos. Como conseqüência dessa política, afirmou a secretária, as famílias são levadas a morar à beira de córregos, nas encostas de morros e em outras áreas de proteção ambiental. Outra solução para tentar melhorar esse quadro, acrescentou, é a utilização de imóveis desocupados nas grandes cidades. Conforme levantamento do IBGE, o número de domicílios vazios no país passa de seis milhões. Somente em São Paulo, são cerca de 500 mil. O Ministério das Cidades avalia que as quatro maiores metrópoles brasileiras têm mais de 10% de domicílios vazios, localizados principalmente no centro velho das cidades, onde há muitos imóveis deteriorados e fechados.

Banco Mundial promete mais recursos

Uma das principais fontes de financiamento para investimentos em habitação provém do Banco Mundial. Segundo informou esta semana o diretor de administração e desenvolvimento urbano do banco, Eleotério Codato, os investimentos do banco devem dobrar em 2005, em relação à média dos últimos cinco anos (cerca de US$ 1,5 bilhões). Codato disse ainda que tem crescido a demanda para a ampliação destes recursos, principalmente em países com grande déficit habitacional como o Brasil, a Índia e a China. No Brasil, o Banco Mundial investe hoje cerca de US$ 500 milhões em programas no setor. Segundo o levantamento da ONU esse volume de recursos, somado às iniciativas em cada país, é insuficiente para reverter a proliferação de favelas e áreas de sub-habitação nos países pobres.
No encontro de Nairobi, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, reafirmou a posição do Brasil, apresentada durante o Fórum Urbano Mundial, realizado em setembro de 2004, em Barcelona, em defesa de novos critérios para o financiamento das dívidas dos países em desenvolvimento. Um documento assinado em conjunto por Brasil, Argentina, Uruguai, África do Sul, Canadá e Quênia, sustenta que as atuais regras de financiamento da dívida são incompatíveis com o cumprimento das Metas de Desenvolvimento do Milênio, especialmente na ampliação do saneamento ambiental e na melhoria das condições de vida nos assentamentos precários e favelas. Ainda segundo esse documento, “o financiamento para que todos os países membros da ONU alcancem as metas requer um arranjo financeiro tecnicamente consistente, a fim de suprir a defasagem existente entre metas de política macroeconômica e as metas e compromissos do Milênio”.
Por enquanto, o máximo que as instituições financeiras internacionais declaram, a respeito dessa reivindicação, resume-se a apoios retóricos à necessidade de rediscutir esses critérios no futuro, um futuro permanentemente adiado. Enquanto isso, as grandes metrópoles dos países pobres continuam atraindo milhões de pessoas para sua periferia, engrossando os cinturões de miséria, violência e desigualdade social. Os constantes contingenciamentos orçamentários, justificados pela necessidade de garantir o superávit primário para o pagamento de juros da dívida, fazem com que esses cinturões aumentem progressivamente a pressão social nas cidades, para não falar do aumento da indignidade humana. Até aqui, alertas como o que a ONU fez essa semana na África, têm sido insuficientes para sensibilizar as autoridades econômicas a discutir seriamente a mudança dessa política. Se elas fossem obrigadas a viver uma semana em uma favela, talvez essa mentalidade começasse a mudar.

Fonte: Agência Carta Maior (Marco Aurélio Weissheimer)