Depois do governo, movimentos sociais acreditam que são novos alvos da direita e da mídia

Desde o início da crise, uma das teses mais propagadas por um grupo de intelectuais, correntes da chamada “esquerda do PT” e movimentos sociais diz que o alvo estratégico da ofensiva das elites é a esquerda brasileira. Dentro deste campo, as prioridades a serem destruídas seriam o PT, os movimentos sociais e a gestão de Lula. Sobre este último parece ainda não haver acordo, sendo ventiladas como estratégias o impeachment, um acordo para que Lula não tente a reeleição e o sangramento e desmoralização de tal forma que a reeleição do presidente se torne impossível.
O PT e o governo têm sentido nos últimos três meses a fúria de diversos setores da direita brasileira, como os tradicionais partidos PFL e PSDB, os meios de comunicação, os setores médios e o grande capital. Enquanto o cenário de fragilização ia sendo construído a partir de equívocos cometidos no âmbito do Planalto e do PT, os movimentos sociais passaram a se manifestar, sempre observados com cuidado pelos setores políticos conservadores. Quando do lançamento da Carta ao Povo Brasileiro por parte da Coordenação dos Movimentos Sociais, da qual fazem parte a UNE, a CUT e o MST, a grande mídia criticou os movimentos alegando que a iniciativa seria uma espécie de “claque” do núcleo duro do governo, em especial do até então ministro José Dirceu.
Na semana passada, os movimentos decidiram ir à rua para combater a “desestabilização do governo” e defender, como saída para a crise, mudanças na política econômica, o combate radical à corrupção e uma reforma política que democratize as instituições do Estado. Com a passagem dos movimentos da palavra à ação, a grande mídia e a direita subiram o tom e aprofundaram a ofensiva através de um discurso de caracterização do ato como “chapa-branca” e a crítica à relação entre os movimentos e o governo. Até a ultra-esquerda, antes invisível para os grandes veículos, ganhou voz com declarações e artigos em jornais tradicionais como forma de amplificar a crítica à movimentação feita pela Coordenação dos Movimentos Sociais.

“Peleguismo e subserviência”

O noticiário sobre o ato foi marcado por críticas aos movimentos sociais. Posicionando-se de forma explítica, um editorial do jornal Folha de São Paulo assinado por Marcos Augusto Gonçalves demonstrou o tom agressivo do discurso. “A primeira [CUT] é um aparelho controlado por uma elite sindical vergada – e fascinada – pelo poder, que, na figura do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, encarna o que se pode chamar de neopeleguismo. A UNE tem outros motivos, além das ligações políticas, para bajular Lula – agraciada que tem sido com verbas federais. Quanto ao MST, o loteamento da máquina pública e o repasse de recursos já haviam se encarregado de semear a subserviência”.
No caso dos estudantes, a intenção das reportagens foi tentar ligar diretamente o caso Collor à crise atual numa sugestão de que, se a UNE mobiliza, é para derrubar o presidente. “Protesto a favor, quando o país está indignado como está, não tem nada a ver com movimento estudantil”, disse a jornalista Mirian Leitão em uma de suas colunas. No dia, o presidente da UNE, Gustavo Petta, fez questão de fazer a diferenciação entre os dois episódios colocando que as mobilizações da entidade têm caráter político claro, e não são “do contra” independente da conjuntura. “Nesse cenário, a UNE não vai se furtar ao seu papel histórico. Continuaremos a ter lado na sociedade e o nosso lado sempre foi claro, é junto aos trabalhadores e trabalhadoras, junto àqueles que se forjaram na luta contra o capitalismo opressor. Vamos denunciar e combater nossos inimigos, derrotar o neoliberalismo dentro e fora do governo Lula”, reforçou Ueltom Gomes, diretor de Relações Internacionais da UNE.
Para reforçar seu argumento, a oposição passou a criticar o repasse de recursos do governo para a UNE. Segundo o senador peefelista José Agripino Maia (RN), o governo aumentou de R$ 600 mil para R$ 1,185 milhão o repasse à entidade. Em resposta oficial, a União explicou que a relação entre os governos e entidades é normal e que sempre aconteceu, inclusive na época de Fernando Henrique Cardoso. O texto esclarece também que a captação de recursos para projetos voltados ao interesse público é “legítima” e que os recursos noticiados foram obtidos por meio de emendas parlamentares apresentadas por parlamentares de vários partidos, entre eles o próprio PSDB, “não tendo origem no Executivo”.
Para Gustavo Petta, as relações entre governo e movimentos “fazem parte da democracia”. Ele questiona o fato de várias organizações marcadas pela crítica ao neoliberalismo e ligadas ao PT serem criticadas nos meios de comunicação por receber recursos do governo enquanto a ONG de Ruth Cardoso (mulher do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), Comunidade Solidária, ter recebido somas altas de dinheiro na gestão tucana e continuar recebendo durante o governo Lula. “A medida que o movimento social pressionar mais contra a ditadura do capital financeiro, estes setores [a direita] tendem a endurecer mais. As acusações do PFL e PSDB são uma tentativa de calar os movimentos, mas não vamos nos intimidar”, afirma Petta.

CPI “do MST”

Dois dias depois do ato, a oposição resolveu ir contra o alvo considerado mais perigoso pela sua capacidade de mobilização, independência e visão anti-neoliberal: o MST. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), autorizou nesta segunda-feira (22) o requerimento do líder do PFL na casa, José Carlos Aleluia (BA) de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o MST. No documento, o deputado baiano imputa ao movimento a responsabilidade pela tensão existente hoje no campo, “onde a reação dos fazendeiros pode desembocar numa verdadeira guerra rural, com o total comprometimento da paz social e o mutilamento das nossas instituições democráticas”. Ao final, o deputado cita como referência de reforma agrária a “marcha para o oeste”, “ocorrida na América do Norte e retratada nas telas do cinema”, em contraposição ao modelo desconcentrador de posse fundiária proposto pelo MST.
A comissão irá investigar as “invasões de terra rural bem como prédios urbanos por integrantes do movimento”. Para João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do Movimento, a iniciativa é uma estratégia dos setores de direita e forças conservadoras para desgastar os movimentos sociais e as entidades de esquerda. “O MST, porém, não vai se intimidar com iniciativas dessa natureza e a resposta do MST a isso será ocupando terra e discutindo com o povo a função social da propriedade”. Segundo o dirigente, ainda é cedo para prever mas a perspectiva é de que a ofensiva piorar. Para enfrentar a crise e um possível cenário de endurecimento da criminalização dos movimentos sociais, é preciso “unir as forças políticas com outros movimentos e ONGs, formar novos militantes políticos e elevar o nível de consciência de nossa base; debater um projeto para o país, uma espécie de programa mínimo que não seja só programa eleitoral”.

Manipulação da mídia

O secretário nacional de comunicação da CUT, Antônio Carlos Spis, publicou artigo questionando a cobertura feita pela grande mídia do ato realizado dia 16, a qual considerou “manipulatória”. Para o dirigente, a mídia insistiu em ignorar o objetivo e caracterizar a mobilização como uma iniciativa chapa-branca e diminuir sua importância ao relatar um número e participantes inferior ao “verdadeiro”. Ao mesmo tempo, segundo Spis, a grande mídia supervalorizou a manifestação ocorrida no dia seguinte, promovida por partidos de oposição, tentando valorizar uma suposta movimentação com força social contra Lula.
De acordo com o autor do artigo, a Rede Globo divulgou relatórios tentando passar uma imagem de que as entidades promotoras do ato seriam “patrocinadas” pelo governo sem, no entanto, dar espaço para que as organizações respondessem às acusações. “Repudiamos também a tentativa de descaracterizar a independência e a autonomia dos movimentos sociais, caracterizados como “patrocinados” pelo governo, ao mesmo tempo em que a imprensa “não vê mal nenhum” em entidades empresariais, tradicionalmente beneficiadas, firmarem convênios com o governo. Esta é mais uma prova de que o preconceito e a luta de classes continuam bem presentes”, concluiu Spis.

Fonte: Agência Carta Maior