Segundo os autores, muitas dessas transações são feitas com fundos de procedência duvidosa, às vezes em nome de sociedades anônimas de origem incerta. Uma das conseqüências mais evidentes desse processo, advertem, é a apropriação privada de espaços que eram de acesso público. Eles dão nome aos bois (ou melhor, aos novos donos dos bois). Milionários como Luciano Benetton, Douglas Tompkins e Ted Turner são alguns dos novos proprietários de terras e recursos argentinos. “Muitos dos hectares foram comprados a preços insignificantes e com a cumplicidade ou indiferença de políticos e funcionários do governo, correspondendo às melhores áreas cultiváveis ou encontrando-se em zonas estratégicas de fronteira”, escrevem. Trata-se da primeira obra a fazer esse levantamento e a apresentar as dramáticas conseqüências sociais deste processo de concentração de terras e recursos naturais.
Benetton, o maior latifundiário do país
Conforme um estudo da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), dos 80 mil proprietários de terras na região pampeana, na província de Buenos Aires (a zona mais fértil e cara do país), os primeiros 1.250 possuem 35% das terras. Além disso, os 50 maiores proprietários detêm 2,4 milhões de hectares, 15% mais do que final da década de 1980 (segundo dados do Censo Nacional Agropecuário, realizado em 2002). A concentração de terras pode ser ainda maior, advertem os jornalistas argentinos, uma vez que muitas vezes é praticamente impossível seguir o rastro dos verdadeiros donos das terras, porque as mesmas aparecem em nome de dezenas de sociedades anônimas, grande parte das quais, sediadas em paraísos fiscais como Bahamas, Uruguai e Ilhas Cayman.
“O ano de ouro na Argentina”
O entusiasmo de De la Rúa com a mineração, assinalam os jornalistas, ocorreu depois de uma viagem aos Estados Unidos. Na bagagem de retorno, o ex-presidente argentino trouxe a promessa de investimentos de aproximadamente 1 bilhão de dólares por parte de empresários norte-americanos. No dia 17 de junho de 2000, a revista argentina “Notícias” denunciou que De la Rúa havia omitido um “pequeno detalhe” em torno deste grande negócio: um primo dele e um contador da família possuíam investimentos milionários no setor minerador.
Zonas de fronteira à venda
Não há legislação proibindo essas compras na Argentina. Existem, atualmente, na Câmara de Deputados e Senadores e em oito assembléias provinciais, 38 projetos protocolados propondo a adoção de regras de controle e limitação para a compra de terras por parte de estrangeiros. Estão, ou parados, ou em fase de tramitação. Uma das conseqüências sociais mais danosas deste novo processo de colonização, denunciam os jornalistas em seu livro, é que cerca de 200 mil produtores agropecuários perderam suas terras nas últimas décadas do século XX, tendência que se manteve nos primeiros anos do século XXI. A jornalista Maria Seoane advertiu para os riscos desta situação: “o processo de estrangeirização da terra e dos recursos naturais e estratégicos, ocorrido nos últimos 15 anos, e com singular força nos anos 90, é tão acelerado e complexo que ainda é difícil de medir todas as suas conseqüências”.
Um alto funcionário do Ministério do Interior revelou aos jornalistas que, entre 2002 e 2006, foram protocolados na Secretaria de Segurança do Interior, 2.358 pedidos de investimentos em zonas estratégicas denominadas “zonas de segurança”. Essas áreas compreendem 150 quilômetros de fronteira, abrangendo a Cordilheira dos Andes e 50 quilômetros na faixa de litoral. E possuem uma das maiores concentrações de recursos naturais, água potável e terras cultiváveis do país. Do total destas áreas em mãos de estrangeiros, 90% do total estão sendo usadas para exploração mineradora.
Mas esses dados já envelheceram, destacam Klipphan e Enz. No final de agosto de 2006, Bill Gates anunciou que investiria cerca de 120 milhões de dólares na Argentina para extrair prata das minas de Santa Cruz. A água também é objeto de forte interesse dos investidores internacionais. Douglas Tompkins, maior proprietário privado de recursos naturais vinculados à água na Patagônia e nos Esteros do Iberá, é dono de cerca de 90 mil hectares de terras em zonas de fronteira. Além disso, controla a nascente e a desembocadura do rio Santa Cruz, o mais caudaloso da Patagônia.